Relato de uma cega na pandemia
Você percebeu que nesse tempo todo que estamos de quarentena não se ouve falar na mídia sobre pessoas cegas?
Essa invisibilidade me irrita!
Todo dia aparece um trilhão de dicas para auxiliar as pessoas viver neste tempo de pandemia... ensinam como serem criativas, produtivas... terem cuidados com higiene, com a alimentação, com os filhos, os animais de estimação, mas, para pessoas cegas, nada...
Outra coisa que me deixa chateada são as centenas de sites que são publicizadas para que as pessoas se mantenham informadas e até realizem cursos online, acontece, que ninguém fala se são acessíveis ou não...
Quase todas as noites antes de dormir passo horas fazendo pesquisa na interne em busca de informações atuais e acessíveis e na maioria das vezes não encontro nem dica de autoajuda.
Na verdade, isso me chateia não é de agora, ausência de acessibilidade é uma pandemia antiga no Brasil e o descaso com as pessoas cegas é um problema histórico, assim, como viver em situação de isolamento.
Vivo em isolamento desde que nasci, pelo fato de eu ser cega, socialmente sou invisível.
Mas, esse isolamento social que todo mundo tá, tem me angustiado tanto, mais tanto... que não existem palavras que explique.
De uma hora para outra minha vida se resumiu em três coisas: limpeza da casa, cozinhar e assistir série... Beleza, amo série!
Mais não tá fácil, viver a mesma mesmice todo dia!
Sinto que meu corpo cheira água sanitária e meu hálito a alho! Só de tanto eu comer alho para melhorar meu sistema imunológico!
Minhas mãos estão tão grossas que parecem lixa de parede!
Hoje dei-me conta que estava usando uma rudia no pescoço pensando que era um colar...
E não para por aí, terminei de preparar o almoço de hoje as 14 horas sendo que comecei a fazer ontem seis horas da manhã.
Não vejo a hora disso acabar que é para eu matar essa agonia essa saudade avassaladora que sinto do reviver.
Tô com tanta saudade daquelas ruas e ladeiras do centro histórico de São Luís... daqueles múltiplos cheiros de comida... perfumes e suor... daquelas músicas... daqueles sabores e da magnifica...
Ah! Magnifica! Só em lembrar de seu sabor minha boca enche de água!