Ninguém que nasceu depois da chegada da internet vai poder experimentar, e certamente nem imaginar, o gosto de como era viver sem mensagens instantâneas. Para se comunicar com rapidez, era preciso saber onde havia um telex, ter dinheiro para um telegrama, estar disposto à despesa de uma chamada por telefone com fio. O mais acessível, e o mais demorado, era o correio. Eu gostava do correio. Da pessoalidade da carta escrita à mão, da elegância, séria e profissional, do carimbo que vinha estampado com uma metade de si no envelope e a outra no selo. (Ainda vem. Mas tô falando daquele tempo, só daquele tempo. Por isso, o pretérito imperfeito. Ideal para repetições e costumes; nada é mais adequado que ele para descrever saudade, saudades, velhos tempos.) Fotografias? Só depois de horas, ou dias, no laboratório. Em troca de um punhadinho de notas, entregavam um envelope com o negativo, as fotos soltas e um álbum novinho em folha para ser preenchido. Havia sempre um suspense antes de começar a ver uma por uma; e a esperança de que no final todas tivessem ficado boas. Se não, fazer o quê? O mundo mudou; as pessoas e eu também. O frio da barriga daquela época não tem nada de parecido com o desta época, se é que nesta época exista algum. Porque era só cara a cara que aconteciam a sedução e a recusa, a tremedeira involuntária, como se desprotegido no vento do inverno, o coração disparado, a emoção e a confusão nunca falhavam. Falar de sexo? Nunca sem ser escondido, sem ter de desafiar cercados de proibições, sem ter em mente que isso, quando não à idade boa, se tratava de assunto intocável. Era fácil sentir-se infrator depois da desobediência; e uma mão de obra era arrastar o peso do saber. Eu tive as minhas recorridas ao genuflexório, ao confessionário para me desempenhar. O mundo mudou; as pessoas e eu também. O professor, sem rede social alguma, era A Celebridade que nos deixava agitados na rua, balançando ansiosamente as mãos – Oi, professor! Oi, professora! – só com o seu rápido passar. Ou então simplesmente nos fazia admirá-lo em silêncio. Elevar a voz ou o dedo a ele? Não! Era ele que tinha esse inquestionável direito e, se conviesse, nos tocava.
O mundo mudou; as pessoas e eu também.
Não tenho mais frios na barriga.
Não vou mais ao correio.
Esqueci a minha câmera e negativos em alguma gaveta por aí.
Acostumei-me com a banalidade e a quebrabilidade do amor, da amizade, das relações.
E só tenho tremedeira quando é inverno de verdade.