Caça ao grilo invasor
1. De repente um grilo apareceu no meu gabinete. Entrou pela janela dando incríveis saltos olímpicos. Eu vi. Com extrema facilidade, alcançou minhas estantes e desapareceu entre meus livros.
2. Sua chegada, inesperada e apoteótica, assustou-me. Pegou-me mergulhado nas páginas de "Saudades de mim mesmo", livro que reúne belos textos de Augusto Frederico Schimidt, poeta carioca morto em 8 de fevereiro de 1965.
3. Ele chegou com o sol se despedindo. Entrei em pânico: no escuro, capturá-lo, seria mais difícil, senão impossível. Só pensava nele cantando a noite toda. Quem conhece o grilo, sabe que ele é um inseto noturno e que canta escondido.
4. Pedi a Deus que não fosse um grilo macho, pois, só o grilo macho canta, atraindo a fêmea para o milagre da procriação. Iniciei, "resoluto e enérgico", a caça ao grilo invasor, já ensaiando os primeiros cri-cri-cris. Começava o tormento.
5. Eu corria para um lado e para o outro, seguindo o seu canto rouco, repetitivo, massacrante quando a madrugada chegou com seu silêncio interrompido, apenas, pelos pingos da chuva batendo firme na minha janela.
6. Logo a manhã chegou, e sem chuva. Os primeiros raios do sol fizeram o grilo calar. Mas não podia hospedar um inseto tão inconveniente. Por isso, continuei a procurá-lo, agora ajudado pelo sol, que entrava direto no meu gabinete.
7. Cheguei a pensar que ele poderia estar escondido num livro de algum escritor que gostasse dos grilos. Como aconteceu com as cigarras, perfilhadas pelo poeta Olegário Mariano. Não tinha, porém, conhecimento de amizade ligando escritores a grilos.
8. Não sei por que, deu-me na cuca procurá-lo entre os livros do maravilhoso escritor Humberto de Campos. Percorri todos eles. Pois não é que o grilo invasor estava escondido no livro "A bacia de Pilatos", do Conselheiro X.X.!
9. Você está preso, disse-lhe, sem titubear. O grilo, calado e triste, não reagiu à voz de prisão; não fugiu. Com ele na mão, me vi numa encruzilhada: que fazer com ele? Matá-lo ou presenteá-lo com a liberdade?
10. Acusá-lo de quê? Eliminá-lo por quê? Um frágil e inerme inseto. Decidi pela sua liberdade. Coloquei-o na janela, a mesma que lhe dera acesso ao meu gabinete, e ele, sem se despedir, sumiu.
1. De repente um grilo apareceu no meu gabinete. Entrou pela janela dando incríveis saltos olímpicos. Eu vi. Com extrema facilidade, alcançou minhas estantes e desapareceu entre meus livros.
2. Sua chegada, inesperada e apoteótica, assustou-me. Pegou-me mergulhado nas páginas de "Saudades de mim mesmo", livro que reúne belos textos de Augusto Frederico Schimidt, poeta carioca morto em 8 de fevereiro de 1965.
3. Ele chegou com o sol se despedindo. Entrei em pânico: no escuro, capturá-lo, seria mais difícil, senão impossível. Só pensava nele cantando a noite toda. Quem conhece o grilo, sabe que ele é um inseto noturno e que canta escondido.
4. Pedi a Deus que não fosse um grilo macho, pois, só o grilo macho canta, atraindo a fêmea para o milagre da procriação. Iniciei, "resoluto e enérgico", a caça ao grilo invasor, já ensaiando os primeiros cri-cri-cris. Começava o tormento.
5. Eu corria para um lado e para o outro, seguindo o seu canto rouco, repetitivo, massacrante quando a madrugada chegou com seu silêncio interrompido, apenas, pelos pingos da chuva batendo firme na minha janela.
6. Logo a manhã chegou, e sem chuva. Os primeiros raios do sol fizeram o grilo calar. Mas não podia hospedar um inseto tão inconveniente. Por isso, continuei a procurá-lo, agora ajudado pelo sol, que entrava direto no meu gabinete.
7. Cheguei a pensar que ele poderia estar escondido num livro de algum escritor que gostasse dos grilos. Como aconteceu com as cigarras, perfilhadas pelo poeta Olegário Mariano. Não tinha, porém, conhecimento de amizade ligando escritores a grilos.
8. Não sei por que, deu-me na cuca procurá-lo entre os livros do maravilhoso escritor Humberto de Campos. Percorri todos eles. Pois não é que o grilo invasor estava escondido no livro "A bacia de Pilatos", do Conselheiro X.X.!
9. Você está preso, disse-lhe, sem titubear. O grilo, calado e triste, não reagiu à voz de prisão; não fugiu. Com ele na mão, me vi numa encruzilhada: que fazer com ele? Matá-lo ou presenteá-lo com a liberdade?
10. Acusá-lo de quê? Eliminá-lo por quê? Um frágil e inerme inseto. Decidi pela sua liberdade. Coloquei-o na janela, a mesma que lhe dera acesso ao meu gabinete, e ele, sem se despedir, sumiu.