UM MEDINHO DE NADA

UM MEDINHO DE NADA

A mensagem da agente de saúde no WhatsApp, dizia: ¨Assim que for definido o dia de vacina contra a gripe para os professores te aviso¨. Foram dias de espera angustiante e eu reclamava comigo porque não tinha escolhido outra profissão: jogador de futebol, vendedor de churrasquinhos, quem sabe um homem da roça. Talvez estes não estivessem na lista do ministério da saúde. Enfim o dia chegou e a ligação dela também. Porém, já tinha uma reposta pronta, ou seja, uma desculpa. Expliquei que não iria comparecer ao posto de saúde, usei entre outros argumentos, o de um trauma de infância que me impedia de tomar injeção, passava mal mesmo. Acredito que ela tenha entendido minha justificativa, pois reconheceu meu ato de coragem em assumir que na verdade, era um medroso. Só que fatos assim, numa cidade pequena do interior não passam despercebidos e os comentários surgiram. Além do mais, a vacina era também por meus alunos. Três dias depois, outra ligação da agente de saúde. Agendamos então minha ida ao posto pra duas da tarde, no dia seguinte. Eu ainda tinha um plano B pra tentar escapar da injeção. Aquele sol causticante das tardes do sertão, temperatura próxima dos 40 graus, o frasco sendo retirado da geladeira e colocado no ambiente natural. Tinha o tempo de preparação da vacina na ampola e meu teatro de medo fugindo da injeção, o pedindo de tempo pra respirar fundo, outro pra criar coragem etc. Assim a vacina fora da geladeira, sofrendo um choque temperatura com o ambiente local, poderia deixa-la inadequada pra ser aplicada e depois de duas ou três tentativas, eles desistissem de mim. Outra vez, meu plano não funcionou. Senti um calafrio ao ver aquele monstro nas mãos da enfermeira vindo na minha direção e naquele instante percebi que os giros que a terra dá, são mesmo de verdade. Fechei os olhos e mundo deixou de existir. Ao abri-los notei um algodão emudecido com álcool, entre a manga da camisa e o ombro, marcando o local do furo da agulha na minha pele. Engraçado como não senti doer nada. Sob o olhar de crítica e compaixão de meu filho, saí da sala sem olhar as pessoas impacientes que esperavam na fila para serem atendidas. Na saída ainda encarei a agente de saúde e prometi a mim mesmo que logo trocaria o chip do celular.

Henrique Rodrigues Inhuma PI
Enviado por Henrique Rodrigues Inhuma PI em 20/06/2020
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