ARGOLINHA BRANCA

Olho para aqueles olhos bem certeiros e determinados. Eles me encaram com todo furor de um instinto canino aflorado de soberania. Vejo no âmago daquelas bolotas pretas, circunscritas por alvas auréolas, uma fera destemida pronta para o ataque. “Argolinhas brancas” é um simples termo batizado por meu avô, Zé Pretin, para sinalizar um iminente perigo canino. Se um cão apresenta esses sinais certamente é bom se preparar contra umas investidas dolorosas.

Lá em Iúna, especificamente no grande quintal de casa, reina absoluto o Black Boy, um negão troncudo e manco de pelagem bem rasteira e sebosa. No início de nossa intempestiva amizade ele era quem amedrontava meus dias de liberdade passeando pela florestinha que plantei no terreno. Eu, sempre atento ao seu olhar sanguinário, tentava perceber se a “argolinha branca” estava em ação, bem formada, na tentativa de emplacar uma estratégia de escape do seu famigerado ataque. Consegui me esquivar de todas as vezes, inclusive deixando as tralhas para trás quando estas eram um empecilho para uma fuga veloz. Apesar disso, tive uma bem cravada dentada na traseira de uma das pernas. Foi apenas uma mordida dada com gosto e o cão raivoso deixou o local sutilmente como se nada tivesse aprontado.

Vovô quando foi conhecer aquele cão preto também teve as mesmas dificuldades que eu para domar a fera. Foram as mesmas semanas, seguiu as mesmas recomendações e tomou as mesmas atitudes. Como eu, ele também foi uma vítima do golpe sorrateiro do nosso negão querido. As “argolinhas brancas” foram denominadas e registradas ali mesmo sobre as pedras são tomé da varanda, no local do crime. De repente, as bolebas pretas estufavam e a mansidão momentaneamente pairava o ar. Nesse instante era possível se resguardar do perigo e tentar um cafuné naquele crânio avantajado.

No dia de hoje as “argolinhas brancas” para sempre desapareceram e aqueles olhos pretos foram cerrados pela eternidade. O Black Boy, apesar de ferino no início de nossa amizade, se tornou um grande companheiro de caminhada e carinhoso ao seu jeito desengonçado. Ele nos trouxe mais felicidade em casa e será relembrado pelas “argolinhas brancas” no olhar provocante de um cão.

(JOÃO PAULO FERNANDES ZORZANELLI)