ELA ERA LINDA!
 
Passamos por ela, que estava parada à porta de uma loja de grife em Milão, próximo à Duomo. Por um segundo, ou uma fração de segundo, nossos olhares se cruzaram, e eu consegui ver um pouco de timidez nos olhos dela e sentir que ela talvez não estivesse muito confortável ali. Notei também, é claro, que ela era linda: uma verdadeira diva de Milão, quem sabe, uma modelo? Ela dizia algo que eu não conseguia compreender, pois não falo italiano, e distribuía alguns panfletos, talvez convidando pessoas a entrarem na loja. Sorri, e passei adiante, dizendo a única palavra que poderia ter dito: “Grazie!” 
 
Durante aquele curto espaço de tempo, percebi que estava muito bem penteada, vestida e maquiada, que era alta, que parecia tímida, e é claro, que tinha uma beleza impossível de passar despercebida, pois era óbvia, natural e impactante. Nem precisaria daquela maquiagem ou daquele penteado.
 
Um pouco adiante, comentei com meu marido o quanto ela era bela, e ele concordou; os outros homens do grupo, de brincadeira, diziam nem tê-la notado, e as mulheres riram, pois sabiam que não tê-la notado seria impossível. Ao mesmo tempo, depois que eu a mencionei, as mulheres também começaram a dizer o quanto também a acharam linda, como se estivessem guardando aquela impressão para elas mesmas, e meu comentário tivesse aberto as comportas e ajudado todas nós a vencermos aquela pontinha de insegurança quando estamos com nossos homens diante de alguém como ela: Ok, ela era linda. Muito mais do que qualquer uma de nós jamais tinha sido ou viria a ser, e também muito mais jovem. Ponto. Fato constatado, admitido e superado.
 
Dias depois, uma das mulheres do grupo disse tê-la visto em um cartaz de roupas de grife. “Era ela sim,”  afirmava. “Eu jamais esqueceria aquelas pernas... acho que se eu começar a malhar, as minhas ficarão como as dela.” Não respondi, mas concordei, lamentando não poder dizer a mesma coisa sobre minhas pernas, que me carregam há 52 anos. 
 
Toda mulher sente uma pontinha de inveja quando se depara com outra que a supera. Não sou diferente, mas do fundo do meu coração, admiti a derrota rapidamente e segui adiante sem tentar negar o óbvio, pois quando a gente aceita o que não pode ser mudado, dói bem menos. Não olhei para trás a fim de procurar na moça um dedão do pé torto, uma cicatriz  ou marca de nascença que pudesse me fazer sentir melhor. Não sou desse tipo. Quando encaro a perfeição, eu admito, respiro fundo e sigo em frente. 


 
Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 19/06/2020
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