Faz dias que não escrevo, pensei enquanto tomava uma xícara de café hoje mais cedo, não muito tempo depois de me levantar, pra cá das onze, na verdade. Passei a madrugada quase toda lendo Morte em Veneza, e, na anterior toda, A Pequena Caixa de Gwendy. Duas estórias totalmente diferentes.
Então, achei que deveria pensar em alguma coisa, alguma coisa que me estimulasse à escrita, mas nada me veio à cabeça.
Então fui reler algumas coisas minhas, rearranjar a ordem de algumas anotações que fiz sobre o jeito de escrever do Stephen King e do Thomas Mann, fuçar algumas sinopses. Houve um momento de insatisfação, em que olhei para o chão da sala e reconheci que precisava ser pelo menos ser varrido e, no entanto, não quis nem pôr a mão na coisa. Fiquei para lá e para cá até um instante depois do almoço, em que tomei a decisão.  
Cheguei à rua mascarado, sem saber o que exatamente estava indo fazer por lá  e, não muitos passos dados, já com calor na fuça, um rapaz e sua prancheta me detiveram.
— Posso fazer duas perguntinhas pro senhor?
(Até quando vai essa palhaçada de me chamarem de senhor?)
— Só duas mesmo?  
— Sim – ele respondeu satisfeito por eu ter parado. — E que olhos lindos você tem!
Fiquei surpreso, pra falar a verdade; e indeciso entre me sentir lisonjeado, apreciar a concordância nominal dele, acreditar que estava me abordando apenas com o texto estratégico adquirido em suas horas de treinamento e, sei lá, tudo nesta vida é possível, suspeitar que, no final, sairia dali com o número dele. Eu, por educação, levaria. Mas não ligaria. Não era meu tipo.     
— Que 171 você tem! – foi o que me ocorreu dizer. — Qual é a primeira pergunta?
— Não é 171, acredite.
O imperativo dele também é bom.
— Qual é a sua idade?
Enquanto respondi, com o intuito de detectar alguma expressão irrefletida, temeroso de que surgisse alguma insatisfatória, mas esperançoso de que fosse pelo menos nenhuma, firmei atenção ao que sua máscara preta não escondia.      
— Não parece – ele comentou.
— Parece sim – rebati com bom humor, apontando para o entorno dos meus olhos. — Olha bem nisto aqui!
Ele riu. Eu ri.
— Você conhece a Blá-blá-blá Dental?
Respondi que sim, que já tinham me parado antes (mas não falei que se referiram aos meus olhos na ocasião) e que lamentava dizer que tinha um plano com o qual estava satisfeito. Ele tentou, mesmo assim, enaltecer a Blá-blá-blá. Para que nenhum tempo mais fosse gasto, repeti educadamente o que tinha acabado de dizer.    
Ele, sem jeito, tentando parecer que não tinha ficado sem jeito, agradeceu, se despediu e, mal passado um instante, já estava abordando duas garotas com o seguinte texto: Olá, boa tarde. Que cabelos lindos vocês têm!
Olhei para trás e falei com os dentes cerrados: — Gosta de iludir, né?