Croniquinha linguística

– A sequência introduzida pelo ‘mas’ – genuinamente adversativo – diz algo que, para o autor da frase, é mais importante do que a ideia expressa anteriormente.

Disse isso para um amigo, que pareceu não entender, e de repente me vi fazendo algumas ponderações, embora as ache totalmente antipáticas na conversação diária. Afinal, vivemos para dialogar, trocar ideias e não para ficar fazendo metalinguagem narcísica.

Cedi ao impulso de um olhar indagativo e comecei dizendo para ele que o ‘mas’ esconde (ou denuncia, para quem está realmente atento) muito de nossos preconceitos. Aquilo que se introduz pelo pelo ‘mas’ revela o que é ‘mais’.

– Como assim?

Prossegui...

– Vivemos estes lamentáveis tempos difíceis e, não raro, ouvimos alguém dizer: ‘A economia padece, mas temos de salvar vidas’. Veja, amigo, que, para o autor da sentença, o mais importante é salvar vidas. É como se colocássemos as duas sequências numa balança e a segunda pesasse mais. Quem diz algo assim, por certo, é plenamente favorável ao triste isolamento social. Compreende?

– Estou indo bem – ele sentenciou, mas queria ouvir mais.

Prossegui...

– Quando, na sequência anterior, contemplamos com o ‘mas’ a primeira das ideias, produzimos algo assim: ‘Temos de salvar vidas, mas a economia padece’. Nesse caso, na nossa balança, a segunda ideia pesa mais; portanto, o autor da frase está mais preocupado com a economia. Certo?

Meu interlocutor estava satisfeito. Mas empolguei-me e exemplifiquei com outra situação.

– Quem diz ‘Falano rouba, mas faz’ certamente vota em ladrão, enquanto quem diz ‘Fulano faz, mas rouba’...

– Não aceita roubalheira e não vota em ladrão! – completou o meu atento ouvinte.

Como nos tempos em que ensinava, disse para ele que as sequências ‘É bom marido, mas bebe’ e ‘Bebe, mas é bom marido’ transitam da crítica para o elogio, mas recebi um semblante meio interrogativo.

Prossegui...

– Veja que, no primeiro caso, o ‘mas’ introduz algo ruim, portanto...

– É uma crítica porque tem mais peso do que o fato de ser bom marido, que é algo positivo, claro – ele completou.

– Isso, ao passo que, no segundo caso...

– ‘Bom marido’, que é algo positivo, tem mais peso que a informação anterior – ele completou, de forma muito adequada.

– Você percebe também como os preconceitos podem se manifestar na escolha da palavrinha ‘mas’?

Ele foi pensando, como procurando dizer algo que não fosse ofensivo:

– É bom profissional, mas não tem diploma.

– Preconceito contra quem? – indaguei.

– Contra quem não tem diploma, ainda que seja bom naquilo que faz. Tem que ter papel, tem que ter currículo.

– Perfeito! Perfeito!!!