Tia Dedé

Tia Dedé.

Estava tudo bem em casa, na vida. Maria tinha os seus problemas, é claro, mas nada que fosse muito persistente. Em geral, lidava bem. Um belo dia, a tia dela decidiu que iria fazer uma visita. O grande problema é que essa tia era muito chata. Uma pessoa muito negativa, e ela chegou de surpresa. Não deu tempo nem de se preparar. Que inconveniente.

“Vai ser só um dia ruim e depois ela vai embora” Maria pensou. Afinal, logo ela vai embora, e tudo volta ao normal. Durante aquele dia ruim, ela aproveitou para falar a Maria tudo que ela estava fazendo de errado. Ela estava “só tentando ajudar Maria a melhorar”. Falou de sua aparencia física, sobre o quanto existiam mulheres mais bonitas do que ela, e que ela nunca seria bonita o bastante. Falou também sobre o quanto ela era desajeitada, das habilidades que ela não tinha e como tudo que ela fazia dava errado.

A princípio Maria tentou se justificar, falou que não era bem assim. Que tinha algumas habilidades, mostrou algumas de suas realizações. Mas nada que ela falasse era o bastante. Até porque, Maria mal tinha oportunidade de falar, e quando falava, lá vinha a tia com a voz ainda mais alta para sobrepor a voz de sua sobrinha. Então, Maria se calou, e apenas fingiu não se incomodar. “Quem sabe ela até tenha razão, pensou”.

Ao contrário do que ela imaginava, aquela tia não foi embora. Ficou hospedada lá. E o pior de tudo, quando Maria perguntava por quanto tempo ela permaneceria, ela sempre mudava de assunto. E então Maria começou a se sentir muito desanimada, a ponto de quase perder as forças. Nada do que ela fizesse era bom o bastante. Se ela tinha um dia de folga e por isso acordava tarde, ela era chamada de preguiçosa. Se conseguia se sair bem no trabalho, “Poderia ter sido melhor”. Se ficava chateada por alguma coisa, era “uma pessoa estressada, difícil de conviver”.

Quando qualquer pessoa elogiava suas realizações, ela já nem conseguia acreditar, aquela tia falava tanto do que lhe faltava, que não sobrava muito espaço para acreditar no que os outros diziam.

Maria mal podia esperar para ela ir embora, assim tudo voltaria a ser como era antes. Como a vida era boa antes dela. Depois que ela tinha chegado, Maria se sentia o tempo todo culpada, como se pudesse ser melhor, mas não conseguisse. Se sentia triste, e já nem tinha mais prazer em coisas que gostava antes, como sentar para assistir um filme, sair com os amigos e as vezes, não tinha nem mesmo vontade de comer. A tia sempre estava lá, não dizia quando ia embora, e a perseguia onde quer que ela fosse.

Ao perceber que ela não iria embora, e que ela não podia expulsar, Maria tentou adotar uma atitude diferente. Agora todas as vezes que a tia dela começava a falar, ela pensava: é que ela é mesmo exagerada, não ve nada de bom. Eu não preciso acreditar nisso. E em vez de parar para ouvir o que a tia tinha a dizer e dar a sua total atençao, decidiu que continuaria fazendo tudo que fazia antes, por mais que a tia continuasse a falar.

Começou a assistir seus filmes de novo, e quando sua tia a chamava de preguiçosa, colocava os fones de ouvido e continuava mesmo assim. Voltou a sair com seus amigos, e quando a tia dizia que ela não merecia estar ali, ela ia mesmo “sem merecer”.

Chegou a um ponto, que ela se tornou apenas uma voz de fundo, que Maria sempre decidia “pensar depois sobre isso”, já que tinha outras coisas para fazer. Em alguns dias, até ria de seus exageros. Nos dias que ela queria ir junto com ela para todos os lugares, Maria já não deixava de ir por causa disso. “Vamos lá tia, vamos juntas”.

E quem diria que aquela tia chamada Depressao, ao longo do tempo ganharia até um apelido carinhoso... A tia Dedé.

@vitoriaprogressiva @ukeukize

Versus da bravura
Enviado por Versus da bravura em 17/06/2020
Reeditado em 17/06/2020
Código do texto: T6980054
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