A VERGONHA.

Os símbolos do bom caráter estão em plano secundário. Nos EUA, em 1987, o político americano Budd Dwyer, convocou uma entrevista com a imprensa e se suicidou com um tiro de vergonha no céu da boca por ter recebido uma propina de US$ 300.000. Na França o mesmo se deu com um secretário de finanças apanhado em corrupção.

Aqui a corrupção agora marcante, com apropriação dos dinheiros da saúde, valendo-se os ladrões da dispensa de licitação diante da urgência da pandemia. Se já despojados de vergonhas historicamente, agora elegem a desvergonha como ícone. Enfrentam o “não fui eu, não sei de nada”, mesmo face à evidência. Como as malas de dinheiro.

Não há vergonha para a desonra quando a honra é secundária.

A honra do honrado em tempos honoráveis, se atacada, lutava com denodo e vigor para ver defendido esse ornato inigualável da personalidade. O verdadeiro honrado não quer sob anátema sua honra enegrecida de suspeita, não quer caminhar nas veredas sombrias onde nada se apura.

A honra do honrado quer ser como a verdade solar, como o sol que não quer sombras para rebrilhar em toda sua plenitude.

A honra do honrado repele a tortura da consciência e o sufrágio da benesse que oculta, do favor que desmerece, da doação do obséquio que pede troco, da retribuição que achaca.

Os honrados, em cargos públicos, são escravos da lei e da verdade para serem livres, sem cadeias a algemar suas consciências. Caminhar para barrar apurações revela a bondade desprezível dos que transigem escondendo culpas, dos que cedem para não terem necessidade de exigirem, dos que dão a fim de que nada lhes peçam, dos que tudo externam por se divorciarem de suas obrigações.

José Guilherme Merquior, notabilíssimo diplomata brasileiro, dizia que " a revolução francesa, os duzentos anos que separam de 1789 comportaram acontecimentos que é preciso novamente rememorar para estudá-la e compreendê-la ...” e conclui que “do Iluminismo à Gulag a conseqüência seja boa, nem mesmo que a democracia comporte de maneira necessária uma guinada no sentido da sociedade totalitária.”

José Guilherme antes mesmo de assistir à queda de ícones totalitários já sentia o temor de suas proximidades e advertia : “O que surpreende não é que alguns ainda detestem a revolução francesa; porém, mais que isso, que aqueles que declaram amá-la desconheçam sua força e seus efeitos.”

Seja qual for a atuação nesse ou naquele setor social dessas responsabilidades, elas fazem perigar a pacificação, fazem estremecer bases conquistadas e perenes, fazem desequilibrar certezas estabelecidas. Ninguém de boa-fé, como se crê seja o perfil humano, quer, pretende, deseja ou elege como paradigma a corrupção, as práticas que teriam sido despejadas mas estão presentes.

A corrupção humana, predadora, repulsiva e intensa, tem se alastrado ganhando corpo faz muito tempo, encerrando a vergonha no cárcere da desonra, no ergástulo da desfaçatez, nas solitárias do degredo do péssimo caráter.A corrupção não começou na caverna, inexistindo tal traço negativo de caráter por não existir o próprio caráter como patrimônio pessoal.A corrupção serve ao corrupto para acúmulo de riquezas. Ao homem da caverna bastavam-lhe a caverna (abrigo das intempéries e dos animais) e a caça em razoável território onde a encontrava. Não possuía o engenho da influência nem os meios e modos para os discursos estéreis e inscientes. Predominavam a inocência, a ingenuidade, o instinto, contida a força no limite necessário. O homem criou a sociedade politicamente organizada e o preço foi sua ingenuidade.

A sociedade deu-lhe a consciência, ensinou-lhe a virtude e sequestrou sua inocência. Aqui surgiu a corrupção, nunca na caverna como já ouvi de alto representante político nesse nefasto Brasil violentado.

É disso que nos fala Merquior, não podemos desconhecer a força e o efeito das sinalizações da revolução francesa.A luta pelo direito é a batalha da razão, não da força, o abrigo da compreensão que é norte da comunhão de todos, a sabedoria na busca do ideal maior, sem fraturar o império da lei, que afasta o discurso que não encampa a ética e a moralidade na condução da coisa pública, das ideias e das instituições, regra impositiva de nosso artigo 37 do Ordenamento Fundamental a que todos nos devemos curvar, sem exceção.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 17/06/2020
Reeditado em 17/06/2020
Código do texto: T6979538
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