Falsa intimidade
Sentou, ligou o computador na tomada, colocou o telefone celular igualmente disponível. Apertou o botão iluminado e a tela penetrou na opacidade do escritório. Mal a luz interior penetra na tela procura navegar alheativamente por páginas ignoradas. Plenamente livre de interdições impostas ao consumidor. Tinha fome de olhar e viver a falsa intimidade moderna.
Estava aí, de passagem por "sítios web", o alheado navegante. Essa docilidade sincera da imagem poderia se rebelar contra ele com o efeito de um susto frio. Esteve prenhe de submissão neste sentido até surgirem ordens para decidir sobre fixar ou não, determinada página. A percepção opulenta da navegação começava a se estreitar. Em breve ficaria com a razão oprimida. Viver com a consciência medida e pautada pelas regras é coisa para santo padroeiro.
Xingava o computador pondo de lado a extrema complexidade de seus mecanismos. Deparará um dia com alguma acusação? Temia abrir a porta e de supetão encontrar Joseph K. Holográfico, labiríntico, inextricável portando um papelzinho de cobrança universal na mão. Deveria segui-lo para dentro das páginas da Web? Deveria fazer o quê?
Se do outro lado do mundo alguém decidisse torná-lo vítima de cobrança inesperada, captada com nociva malandragem da técnica, o que haveria de fazer? Afundava na cadeira proferindo palavrões presidenciais. Jamais seria uma revelação em assuntos tecnológicos.
De outro modo não poderia explicar a si próprio todos os diálogos havidos em centenas de páginas. Caso exigissem explicação certamente haveria erro de diagnóstico condensado em velhas alíneas e cláusulas. Medo que permanecia dentro da imaginação comum e, ao mesmo tempo, no vácuo. Quem haveria de confessar ao mundo internauta a mais completa liberdade de visualização sem incorrer em temeridade consultiva? Nem tudo há de caber na linguagem das leis e, nem desejava defenestrar a Suprema Corte. Antevia o conflito do pecador isolado sem saber se estava sendo monitorado. Deu um murro na mesa lançando o rato ao chão. Esbravejou solitário como se isso fosse remediar infortúnios. Pois, qualquer coisa que virasse processo seria infâmia e truculência. Coçava a barba hirsuta lendo na tela sobre o Ministro da Educação pregando cadeia aos vagabundos de seu ponto de vista. Persas e gregos que se entendessem. Xerxes ainda não perdera a frota e já fustigava o mar.
Temia ser esbulhado de golpe. Passeara constantíssimamente por octilhões (vinte e sete zeros à direita) de imagens belas e vulgares. No decurso dos anos poderia ser confrontado com a repetição de seus interesses, mas não seria um homem adulto, viúvo, solitário e bestial como todos na multidão vazia. Seria mentalmente uma vaca ruminando na beira da manjedoura.
Tinha no computador a calha por onde deslizavam as imagens boas, más, múltiplas e maravilhosamente sensuais. Depois de tolerar os trabalhos da vida possuía o computador como seu único lazer de quarentena. Valeria à pena lamentar por uma coisa tão insignificante? Não fosse o medo da ditadura com desvarios de princípios. Certas informações e páginas como àquela sobre o peso do tempo na fisionomia dos ídolos.
— Olhe como ele era e veja como ficou!
Pior do que imagem pestifera era a desilusão promocional contra a inexorável velhice. Coisa horrível mostrar ao mundo como era e como havia ficado. Terrível afronta a dignidade através da sensibilidade robótica. Seria apenas a lembrança vaga de que tudo estaria sendo guardado na mecânica memória estúpida.