CRISTO E ANTICRISTO. REELEIÇÃO.

Quando se estabelece a alternativa que fere uma interrogação profunda na forma e no substrato, nos aproximamos do conceito que tangencia o bem e o mal; o maniqueísmo. Isso se espalha em um país perdido entre discussões desarmonizadas onde as instituições falam muito e fazem pouco. O Executivo não executa promessas da antecedência do pleito, como histórico desde as primeiras constituições, e está gravado nelas; o Legislativo anda de lado querendo arrumar seus arranjos, e vai conseguindo; o Judiciário que deve exclusivamente decidir conflitos a si chegados, move-se como jornalista, a se manifestarem na mídia compulsivamente alguns de seus membros.

Em um embate dessas forças, já desviadas de seus fins, desestrutura-se mais ainda a nação, nada de construtivo alcançando. E como cereja podre desse bolo, a pandemia, quando desponta uma exacerbada disputa pela eleição de 2020.

O Presidente atual foi ao segundo turno disputar eleição; foca agora a reeleição.

É neófito o instituto no Brasil e não vai bem.

O instituto político da reeleição é anódino, medíocre mesmo para a nação, no que entende com a possibilidade, sempre acionada, de quem está no cargo usar seu prestígio para alavancar a continuidade no poder. Não é difícil situar o uso dessa alternativa de poder para sufragar a continuidade. Desinteressa elencá-la aos que se informam como os que acessam a Internet e têm mínimo poder de avaliação.

Copiada a reeleição dos EUA, a velha cópia, não se copiou a proibição de tentar uma terceira eleição, o que o ex-presidente condenado perseguia.

Somente aos muito fortes de conduta o poder não seduz; isso é raro.O de lamentável memória que presidiu a Venezuela para martirizá-la e deixá-la esfomeada e retirante fez de tudo para se eternizar no cargo. Um exemplar do anticristo perfeito.

Não há como negar o uso do poder e justificar-se o mesmo com a antecedência reiterada, como se o erro se justificasse perante a lei, o anterior justificando o posterior.

O ponto alto, a cumeada da representação está na confiança e o parlamentarismo dá a nota dessa virtude. Ou se tem confiança e o depositário representante da mesma permanece no poder ou dá-se a alternância por faltar confiança. É a melhor sinalização de representação posta em exercício pelas nações mais civilizadas. Mas não interessa aos caciques brasileiros, querem perdurar, profissionalizam-se cada vez mais, enraízam-se, fazem sucessores e sucedidos, implantam-se dinastias, olhe-se o norte/nordeste, o exemplo permanente do que não se deve fazer, o filhotismo egresso dos votos, guetos como silos de votos armazenados que se somam e se multiplicam a cada mandato.

Desinteressa ao espírito público a perpetuação no poder que a reeleição possibilita, pelo aparelhamento partidário que se faz no Estado. Com a máquina na mão, até mesmo reformas constitucionais favorecendo continuidades surgem. Exemplos nos são dados pela Venezuela, exemplo mais próximo. Um passeio pela história, que não faremos para não dilargar, ratifica o afirmado. A manobra das massas, sob enfoque assistencialista, de fácil trato, se colhe plebiscitariamente, basta a sagacidade de eminências pardas, sempre atuando nos bastidores, para alterarem-se regras republicanas. Se de iniciativa congressual, dobra-se o Congresso; se possível, processo legislativo originário no Executivo para tal fim; tudo com assento no povo, na condução plebiscitária, incendiária e amesquinhada por necessidades.

Aqui surgem os Cristos e os anticristos.

O anticristo é a repugnante figura bíblica, apocalíptica, que deverá aparecer antes do fim do mundo, espalhando sobre a terra, sobre o planeta o crime, a impiedade, a mentira, a torpeza, o vilipêndio. O Brasil esteve com esse retrato. Parece que não aprendeu. Mas será afinal vencido por Cristo. E o Cristo, todos sabem, veio ao mundo para fazer justiça, por isso nada respondeu a Pilatos, quando perguntado sobre o que era a verdade. No Brasil alguns foram afastados, outro condenado, mas essas vozes que estão na Porta do Inferno de Dante Alighieri são ouvidas, AINDA, e outro ainda conseguiu vaga na câmara alta do Brasil. Pergunta-se; que povo é esse? Felizmente outra foi repelida nas urnas, já indevidamente com esse direito por decisão que afirmou não seguir o acessório o principal.

Mas a verdade, filha da justiça, faz o divisor de águas, irmana-se ao maniqueísmo; o bem e o mal, os opostos sempre em paralelos caminhando. E o instituto da reeleição, na equação maniqueísta, configura e veste o mal, abre a porta ao mesmo porque possibilita-o, facilita-o. O Brasil precisa mudar isso; mandato de cinco anos presidencial, creio, seria o desejável, sem reeleição.E se possível fosse em regime parlamentar.

A reeleição em nada favorece à alternativa sadia do processo legítimo e amplamente democrático da alternância no poder sem sustentações da máquina do Estado, este sempre forte como repassador do orçamento, a famosa lei de meios.

Afastar a reeleição para Presidente em reforma política urge, ou ao menos, impõe-se ao Presidente, como vigora para detentores de cargos de confiança, a desincompatibilização.

Qual a razão de haver barra enérgica para desincompatibilização de um Ministro e inexistir para Presidente, Governador e Prefeito? Quem pode mais? Quem tem mais influência?

E este é o princípio regulador, teleológico, da regra de desincompatibilização; abuso de poder, influência.

A permanecer como está a porta se abrirá sempre para o exercício maniqueísta.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 15/06/2020
Código do texto: T6978005
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