COLA
O suor escorria vertiginosamente pela face assemelhando-se a uma farta nascente de água. Aquela mina marchava certeiramente pelas curvas do rosto e se engraçava pelas bochechas “amaçanzadas” já coradas de um vermelho cereja. As vezes alguma gotícula malcriada, por uma leve depressão desenhada próximo aos lábios, adentrava o território obscuro das pregas bucais. A maior parte daquele exército, no entanto, escoava até o pescoço se acumulando em alguma junção de um osso proeminente. A roupa, já encardida pela obstinada sudorese, além de umidificada, trazia também um leve frescor ao tecido adiposo desvairado pela ação frenética do coração que palpitava estranhamente. O músculo cardíaco não conseguia distinguir se toda aquela sensação era uma absoluta reação ao perigo iminente ou se era um misto de aflição ou um surto de ansiedade.
Agora os braços involuntariamente, lógico que com uma ajudinha da minha coordenação, se moviam obstinados à mochila junto à parede. O suor algumas vezes se impregnava por ali também, brotando dos minúsculos poros que ornam a pele. Naquela lubrificação bizarramente “amoníaca”, com os dedos atiçados por um calor de nervosismo, a bolsa foi sendo sutilmente aberta, enganando qualquer olho espião. O fechecler, em conluio com minha ousada tarefa, permaneceu em silêncio durante toda execução minuciosamente delineada. Ouvidos estavam atentamente aguçados a qualquer ruído e melindrosamente enviavam informações atualizadas sobre a aproximação do “inimigo”. Os braços recuaram cuidadosamente ao sinal de um alerta vermelho e permaneciam imóveis até o mapa de perigo ficar no nível mais baixo. Logo, os braços novamente entram em atividade e as mãos bisbilhoteiras tratam de rapidamente levantar a meia altura um livro. Consigo, com toda cautela, porém. De forma ágil, com toda velocidade e perspicácia, chego à página de desejo e, sem pestanejar, retiro as referências de interesse. Deixo a mochila toda estrambelhada – já não queria saber dela – e finalizo meu serviço com sucesso a uma letra garranchada. Entrego a prova.
No pátio da escola reúno-me com alguns colegas da turma da 4ª série do ensino fundamental no local onde a nova quadra do Nagem Abikahir nem sonhava em ser construída. Papeamos sobre qualquer assunto por um tempo e, de repente, fui surpreendido por uma declaração de uma companheira de turma “É João Paulo, alguém da turma te viu colando na prova”. Meu orgulho desmoronou em um instante e o coração gangrenava por ter falhado no meu “crime” quase perfeito. A valentia se transformou em temor por uma severa pena a respeito do meu exame que poderia ser completamente invalidado. Esse medo inabalável carcomeu minha alma até a entrega das notas e percebi que não fui penalizado, cabendo ao colega espião um posto de cúmplice nesse ato fajuto do meu ser.
Enganei a mim mesmo nessa desventura do colar. Manchei minha glória com o estigma da corrupção, mesmo em um ato simplório ou insignificante. Entretanto, essa atitude pode custar futuramente a integridade profissional por um relaxo de raciocínio e compreensão. Depois de ficar imerso no desespero por algumas semanas descontruí esse arquétipo de malandragem. Não repeti, dentro das salas da vida, esse equívoco bandido.