Tudo converge ao caos.

Quarta-feira,

Risco no calendário um dia qualquer, manhã cinzenta, um quase silêncio rompido aos poucos pelo som do velho rádio a pilha que é ligado na casa do vizinho. A caixinha de abelhas fica na mureta que divide o nosso quintal.

- Já de pé seu Maneco. Gritei.

- Deus ajuda quem cedo madruga meu filho. Respondeu com voz rouca.

Na minha cozinha, germinada com a sala de janta, tem uma mesa oval com quatro cadeiras, que também é o quarto, e mais uma cadeira quebrada apoiada no guarda-roupas, e nada mais. O reboco das paredes ficou irregular, serviço feito nas coxas, pintei tudo de branco, às pressas.

O café acabou de ser coado, o aroma suave invadindo a narina de seu Maneco, e todo o restante da minha minúscula casa, aliás.

Na mesa, alguns pães do dia anterior, manteiga, bolo de fubá, nada mais. Na minha cabeça pensamentos imperfeitos é vagas emoções, temores, fantasmas, quimeras passadas, desejos loucos, ansiedade, angústia, tristeza. Tudo isso faz parte do café, gole a gole vou degustando a saborosa bebida tão brasileira, o pão com margarina esquentado na frigideira, o bolo de fubá esfarelando na boca.

O beija-flor ainda dorme eu acho, ele sempre aparece pela manhã, todos os pássaros ainda dormem, quietos em seus ninhos, em seus solitários sonhos, 'solitários como eu'.

Na cozinha figura apenas a minha presença, sou apenas uma sombra qualquer neste barraco jogado à beira do córrego. O sol aos poucos ganha o céu, a claridade em filetes avoluma-se, estende-se, e logo tudo se faz claro, é um novo dia que urge, que grita, que corre, que se esconde também.

Sou este forasteiro do mato, sem porto e nem cais, navegando em barcos de lata rumo a empreitada do dia…

Sou um solitário à espreita, pronto para mais um dia de trabalho escravo, sou este homem sem qualidades, encarcerado em meus próprios medos.

A cidade aos poucos acorda, seus longos braços se entendem, as suas engrenagens rangendo, o descomunal monstro coloca-se de pé, pronto a devorar cada habitante moribundo da pequena cidade. Temos pressa, temos medo, temos tudo e não conseguimos nada, e àquele que não tem nada sente-se o todo poderoso como se tivesse tudo. Os dias são sempre iguais, convergindo ao caos.

Quarta-feira,

O empoeirado ônibus lotado, o centro da cidade parece um formigueiro, pessoas vendendo, comprando, outras são os seus próprios produtos, seus corpos é o prato do dia de algum desconhecido.

Ambulantes, andarilhos, vendedores, ladrões, a multidão ganha forma e cores, sou mais um indigente no meio dela.

Quarta-feira apenas…

E tudo converge ao caos. É sempre assim, todos os dias do ano, nada muda, ninguém muda, tudo e todos convergem ao caos.

Quarta-feira apenas…

O dia vai embora, retorno para o meu lar, cansado. Tomo banho, faço o meu jantar, assisto TV, vou para cama, rolo de um lado para o outro e o sono não vêm, em um ato de raiva e desespero por não conseguir descansar, tomei três comprimidos de Rivotril de uma vez…

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 14/06/2020
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