ASSOBIADORES DAS MADRUGADAS
Meu bairro cresceu muito nestes últimos anos,ganhou infra estrutura,criaram-se diversos estabelecimentos comerciais dos mais variados gêneros (farmácias,supermercados,lojas e postos de gasolina, além de postos de saúde,colégios e um grande parque aquático, ainda em fase de acabamento).
Alegra-me pensar que somos hoje, uma quase cidade à parte.Porém, à quem viveu quase 68 anos por estas bandas,é impossível resistir à tentação de recriar a geografia ,recolocando em seus devidos lugares aqueles cenários que aquarelaram-me a existência.
Coisas de velho ! dirão.
Pacificamente rendo-me à constatação.
Início de tarde de sábado, 13 de junho/2020.Eis-me retornando a pé, do centro da cidade.
A uma quadra de onde moro, uma bem montada loja de presentes.
Apanho a borracha do tempo e vou apagando a paisagem atual.
De repente...
O “Bar do Mário”, ainda antes da sua última reforma que o fez uma bela construção em alvenaria.
Para chegar até o “Bar do Mário”, faz-se necessário retomar a sua origem:
Anos 50.
1957, para ser mais preciso.Um grande casarão de madeira com sótão espiando a estrada do Riozinho, alguns pés de “tuna” ,uma castanheira e uma romã,existentes ainda hoje,rodeavam o “Armazém Andrade”.
Fecho os olhos e revejo aquelas prateleiras enormes por onde, empoeiradas, enfileiravam-se as garrafas de cerveja, de refrigerantes e cachaça.
O balcão expositor de doces, as famosas balas “Bela Vista” (Tangerina era a minha preferida),o casal: Dona Vitória e Sr. Ozório, no comando.
Seu Ozório, era quem preparava a cachacinha que “abria o apetite” de meu avô paterno, um de seus amigos inseparáveis de festanças e brigas de galos.
Todas as manhãs,por volta das 11 horas , eu batia o ponto na casa de seu José, para atravessar a estrada de chão e apanhar a dita cachaça, cujas infusões faziam a alegria no almoço de vovô.
Com a morte do patriarca da família o armazém passou a ser administrado por Etelvina, sua filha mais velha, solteira, à quem conhecia-se por “Têrva”.
Um ligeiro processo de modernização e o armazém ganhou mesas de bilhar e umas novidades na linha de doces.
Passamos, então, a adquirir os modismos da época:”Maria cachucha”, chicletes e as famosas “Caixinhas de Surpresa” – cujas surpresas eram sempre as mesmas rsrs..
Têrva fazia o tipo linha dura e, à quem tentasse descumprir os regulamentos sa casa, era apresentado um belo chicote com o delicado convite de “Suma-se daqui !”
Vale dizer que quase tudo funcionava nos conformes.
Têrva falecera e o estabelecimento ficou sob os cuidados de Mário o “Tuia”, irmão mais novo.
Agora estamos no fim dos anos 60. Eu no auge da adolescência.
O Bar do Mário era festivo ! Reuniam-se ali os times de futebol e havia até uma galeria de troféus pelas prateleiras.
Ao contrário da irmã, Mário era de uma serenidade cativante.
Passava o dia sentado numa cadeira à frente de seu comércio, catalogando este ou aquele que por ali passava.
E quando a noite caía...O estabelecimento ficava repleto.Mário, cujo endereço era um dos poucos que dispunha de energia elétrica, havia recém adquirido uma TV “Colorado RQ” – um luxo para época- instalando-a numa pequena prateleira num local bem visível da parede, o que lhe conferia um certo ar de cinema.
Dada à localização – num topo de colina – a imagem da
TV era perfeita.
A freguesia ia chegando e quase acotovelando-se.
Ao longo do balcão comia-se chouriço, sardinha com cebola e salsicha com pão. Bebia-se cerveja e cachaça.
Alguns amigos e eu, costumávamos também marcar presença, ainda que nos limitássemos a umas gasosas, crush e o moderníssimo “Seven UP”, famoso por patrocinar Mário Vendramel em suas tardes de sábado pelo canal 12.
[ Estas restrições porque éramos “Dimenor” naquela época em que os rigores da lei realmente imperavam ]
O burburinho no interior do estabelecimento sugeria um enxame de abelhas.Todos falavam ao mesmo tempo, havia algazarra ao redor das mesas de sinuca.
Tudo se acabava e um silêncio de templos passava a imperar quando na telinha surgia a abertura da novela “As Pupilas do Senhor Reitor” em sua primeira edição pela TV Record.
A marmanjada , de olhos vidrados, torcia pelo par romântico: Daniel e Margarida (a doce Guida), vivido por Agnaldo Rayol e Márcia Maria.
E quando a noite ia ganhando as suas “horas mortas”, nós, a turma dos “Dimenores” , seguíamos para nossas casas.
Imersos naquelas noites de breu, quase borrando as calças ao passar pelo cemitério, um assobio do tema da novela ajudava a espairecer o cagaço.
Na esperança de que uma de nossos amores platônicos estivesse à escuta, a gente caprichava no beiço, fazia caras e bocas, inundando os ares com esta melodia:
Clic no link para ouvir:
http://www.youtube.com/watch?v=8H5u8tu1Vo0&feature=share&fbclid=IwAR3oNOAEkIrfpRG32KBavpQjs8gHrLyAnNUSBmwUWnaByHmeJrjQ8G1E75M
Meu bairro cresceu muito nestes últimos anos,ganhou infra estrutura,criaram-se diversos estabelecimentos comerciais dos mais variados gêneros (farmácias,supermercados,lojas e postos de gasolina, além de postos de saúde,colégios e um grande parque aquático, ainda em fase de acabamento).
Alegra-me pensar que somos hoje, uma quase cidade à parte.Porém, à quem viveu quase 68 anos por estas bandas,é impossível resistir à tentação de recriar a geografia ,recolocando em seus devidos lugares aqueles cenários que aquarelaram-me a existência.
Coisas de velho ! dirão.
Pacificamente rendo-me à constatação.
Início de tarde de sábado, 13 de junho/2020.Eis-me retornando a pé, do centro da cidade.
A uma quadra de onde moro, uma bem montada loja de presentes.
Apanho a borracha do tempo e vou apagando a paisagem atual.
De repente...
O “Bar do Mário”, ainda antes da sua última reforma que o fez uma bela construção em alvenaria.
Para chegar até o “Bar do Mário”, faz-se necessário retomar a sua origem:
Anos 50.
1957, para ser mais preciso.Um grande casarão de madeira com sótão espiando a estrada do Riozinho, alguns pés de “tuna” ,uma castanheira e uma romã,existentes ainda hoje,rodeavam o “Armazém Andrade”.
Fecho os olhos e revejo aquelas prateleiras enormes por onde, empoeiradas, enfileiravam-se as garrafas de cerveja, de refrigerantes e cachaça.
O balcão expositor de doces, as famosas balas “Bela Vista” (Tangerina era a minha preferida),o casal: Dona Vitória e Sr. Ozório, no comando.
Seu Ozório, era quem preparava a cachacinha que “abria o apetite” de meu avô paterno, um de seus amigos inseparáveis de festanças e brigas de galos.
Todas as manhãs,por volta das 11 horas , eu batia o ponto na casa de seu José, para atravessar a estrada de chão e apanhar a dita cachaça, cujas infusões faziam a alegria no almoço de vovô.
Com a morte do patriarca da família o armazém passou a ser administrado por Etelvina, sua filha mais velha, solteira, à quem conhecia-se por “Têrva”.
Um ligeiro processo de modernização e o armazém ganhou mesas de bilhar e umas novidades na linha de doces.
Passamos, então, a adquirir os modismos da época:”Maria cachucha”, chicletes e as famosas “Caixinhas de Surpresa” – cujas surpresas eram sempre as mesmas rsrs..
Têrva fazia o tipo linha dura e, à quem tentasse descumprir os regulamentos sa casa, era apresentado um belo chicote com o delicado convite de “Suma-se daqui !”
Vale dizer que quase tudo funcionava nos conformes.
Têrva falecera e o estabelecimento ficou sob os cuidados de Mário o “Tuia”, irmão mais novo.
Agora estamos no fim dos anos 60. Eu no auge da adolescência.
O Bar do Mário era festivo ! Reuniam-se ali os times de futebol e havia até uma galeria de troféus pelas prateleiras.
Ao contrário da irmã, Mário era de uma serenidade cativante.
Passava o dia sentado numa cadeira à frente de seu comércio, catalogando este ou aquele que por ali passava.
E quando a noite caía...O estabelecimento ficava repleto.Mário, cujo endereço era um dos poucos que dispunha de energia elétrica, havia recém adquirido uma TV “Colorado RQ” – um luxo para época- instalando-a numa pequena prateleira num local bem visível da parede, o que lhe conferia um certo ar de cinema.
Dada à localização – num topo de colina – a imagem da
TV era perfeita.
A freguesia ia chegando e quase acotovelando-se.
Ao longo do balcão comia-se chouriço, sardinha com cebola e salsicha com pão. Bebia-se cerveja e cachaça.
Alguns amigos e eu, costumávamos também marcar presença, ainda que nos limitássemos a umas gasosas, crush e o moderníssimo “Seven UP”, famoso por patrocinar Mário Vendramel em suas tardes de sábado pelo canal 12.
[ Estas restrições porque éramos “Dimenor” naquela época em que os rigores da lei realmente imperavam ]
O burburinho no interior do estabelecimento sugeria um enxame de abelhas.Todos falavam ao mesmo tempo, havia algazarra ao redor das mesas de sinuca.
Tudo se acabava e um silêncio de templos passava a imperar quando na telinha surgia a abertura da novela “As Pupilas do Senhor Reitor” em sua primeira edição pela TV Record.
A marmanjada , de olhos vidrados, torcia pelo par romântico: Daniel e Margarida (a doce Guida), vivido por Agnaldo Rayol e Márcia Maria.
E quando a noite ia ganhando as suas “horas mortas”, nós, a turma dos “Dimenores” , seguíamos para nossas casas.
Imersos naquelas noites de breu, quase borrando as calças ao passar pelo cemitério, um assobio do tema da novela ajudava a espairecer o cagaço.
Na esperança de que uma de nossos amores platônicos estivesse à escuta, a gente caprichava no beiço, fazia caras e bocas, inundando os ares com esta melodia:
Clic no link para ouvir:
http://www.youtube.com/watch?v=8H5u8tu1Vo0&feature=share&fbclid=IwAR3oNOAEkIrfpRG32KBavpQjs8gHrLyAnNUSBmwUWnaByHmeJrjQ8G1E75M