QUADRO CUBISTA

Lá na casa em Iúna, cidade cravada aos pés do Caparaó e famosa pelo reconhecimento como terra do café, existe uma galeria de quadros reproduzidos por minha mãe que se estende por quase todos os cômodos. Na cozinha, por exemplo, há uma série de obras retratadas com o tema de alimentos, obviamente. Mas o interessante é que sempre na ocasião em que recebemos visitas dos amigos distantes, à mesa saboreando as gostosuras caseiras das mãos da matriarca, que também são uma obra de arte, alguém, tomado pela curiosidade, bedelha pelos detalhes íntimos daqueles painéis. “Nossa, aquele pão parece gostoso!”, “Acabou o coco ralado aqui?”, “Muito suculenta aquela posta”. São questionamentos e comentários rotineiros aguçando a imaginação dos visitantes. E esse parece ser o papel emérito de uma verdadeira obra de arte.

A sala é praticamente o refúgio das manadas de cavalos, ora saciando a sede da longa marcha, e em outros momentos a tropa, em sentimento arisco de liberdade, galopeia pelos prados verdejantes. Subindo para os aposentos, já somos tomados pela beleza de casinhas barrocas, e Nossa Senhora e Jesus, já ao final da escada, recepcionando-nos com bênçãos, indiretamente, nos indicam a hora de tomar um pouco de ar. Ali em cima, o primeiro pavimento parece ser recanto das navegações, nas quais corajosos barquinhos pesqueiros enfrentam os desafios do mar e uma iminente fúria daquela agitação. Vejo isso pelas nuvens de um cinza pesado ao fundo das pinturas. Um outro cenário que chama atenção são as montanhas, que vez ou outra, me atiçam para uma expedição em busca de coletas botânicas satisfazendo meu lado profissional.

Já no quarto onde eu e meu irmão passamos a vida até adolescência juntos existe a tela que realmente me chama mais atenção, apesar de não me inspirar em praticamente nada. Estranho, né? Talvez seja pelo simples fato de ser uma guardiã da minha cama ou mesmo uma protetora das altas noites e madrugadas de sono a fio. Quando passo a admirar a pintura, no entanto, fico observando aquele amontoado de desenhos geométricos sobrepostos matutando o que aquela arte cubista pode expressar. As cores são chamativas por seus tons mais escuros multicoloridos. As formas me intrigam pela perfeição que foram traçadas sem qualquer tremor desaforado das mãos delicadas. Não lembro de minha mãe utilizando réguas, esquadros e transferidores para desenvolver aqueles retângulos, circunferências, quadrados, losangos, trapézios e tantas outras feições da obra cubista. Eu me aproximo para verificar se realmente não existe uma falha que escapou estupidamente dos pelos do pincel durante o trajeto delineado na pintura. Não tem não. O pincel passou por ali com exatidão.

Qual o significado de uma arte cubista? Qual o sentimento passado por aqueles traçados perfeitamente desenvolvidos? Seria mesmo transpassar aos admiradores o absolutismo intrínseco das pinceladas? Eu simplesmente não sei ainda. Essas são indagações formadas por vários anos observando cada centímetro da tela exposta no meu quarto.