Não são mil, mas são tantas palavras por dia...
A recomendação do Stephen King é escrever, escrever e escrever. Pelo menos mil palavras por dia. Isso vem martelando a minha cabeça desde que li, e, neste período, intensa e incessantemente. Não acredito que tenha escrito esse número de palavras algum dia em um dia só. No máximo, quatrocentas, sei lá. E agora, feito louco, ou algo bem parecido, estou cada vez mais atento às coisas que faço e que vejo fazerem – aquelas sem-querer de vez em quando rendem bastante. Então, enquanto lambo goiabada numa colher durante um desses finais de tarde, vou, sem planejar, à janela da área de serviço. O sol ainda está pegando de raspão no prédio da frente, desenhando uma luz meio triangular, que, unida com as sombras desiguais do meu prédio e do prédio de trás do meu, forma uma imagem interessante. Tento dar cores ao desenho, mas, como pintar, a não ser o sete, não é comigo, logo desisto. Em seguida, meus olhos começam a perscrutar as janelas do lado de lá, as que estão abertas e as que estão só um pouco abertas. (Gostou do verbo? É do tipo rebuscado demais, que não combina com este texto, né? Tá bom. Vou falar de outro jeito, assim que fechar os parênteses.) Em seguida, meus olhos começam a especular as janelas do lado de lá, as que estão abertas e as que estão só um pouco abertas. Não vejo nada incomum através delas, exceto em uma das que estão fechadas. Calma, não tenho a visão do Superman, nem tive vislumbres de silhuetas desnudas. Nada disso. A cortina branca, uma espécie de renda, de repente não está mais branca. Está vermelha. Sim, está vermelha, igual a vinho, a flor vermelha. Não é outra cortina, não. Ou é? Firmo os olhos pra ter certeza. Espera! Não é a cortina. É a luz que agora é vermelha. — Nossa! A luz que é vermelha?... Abandono a colher lambida na pia – depois eu lavo – e venho para a sala. Olho para o teto e mentalmente, pra ver como ficaria, troco as três lâmpadas por três vermelhas. A casa fica toda vermelha, os livros empilhados aqui e ali, a tábua de passar roupa, a escrivaninha, as paredes, o chão, nossa!, tá tudo vermelho. Vou ao quarto e, mamma mia!, quarto vermelho? Parece quarto de zona. Se fosse, eu ia querer ser a Madame. Dali mesmo olho pro banheiro e me imagino, praticamente cegado pela vermelhidão, esfregando a bucha febrilmente em alguma cicatriz, ou pinta qualquer, achando que é macuco. Não. Para. Troca essas lâmpadas. Chacoalho a cabeça como para espantar um inseto, e a claridade volta ao normal. Ao normal entre aspas, porque já tá escuro, a noite chegou. Acendo a luz, branca, sento aqui, apoio o queixo na palma da mão e, antes de pensar em tudo o que falei acima, ouço a voz de uma criança lá na rua chamando a mãe. Mãe, olha isso! Lembro da minha. Sinto um nó por dentro, uma saudade tão baita... Abro o Word e começo a escrever sem planejar: Sinto falta da calçada escurecida pela noite, das folhas que estalam sob os meus pés, da cadeira de alpendre que se arrasta no cimento, do cachorro que pula no meu colo, do vento que passa me dizendo que é hora de entrar. Sinto falta de entrar, sinto falta de sair, sinto falta ficar, sinto falta de mim, e ponto final.
OBS: Até aqui escrevi, e você leu, quinhentas e oitenta e nove palavras!
A recomendação do Stephen King é escrever, escrever e escrever. Pelo menos mil palavras por dia. Isso vem martelando a minha cabeça desde que li, e, neste período, intensa e incessantemente. Não acredito que tenha escrito esse número de palavras algum dia em um dia só. No máximo, quatrocentas, sei lá. E agora, feito louco, ou algo bem parecido, estou cada vez mais atento às coisas que faço e que vejo fazerem – aquelas sem-querer de vez em quando rendem bastante. Então, enquanto lambo goiabada numa colher durante um desses finais de tarde, vou, sem planejar, à janela da área de serviço. O sol ainda está pegando de raspão no prédio da frente, desenhando uma luz meio triangular, que, unida com as sombras desiguais do meu prédio e do prédio de trás do meu, forma uma imagem interessante. Tento dar cores ao desenho, mas, como pintar, a não ser o sete, não é comigo, logo desisto. Em seguida, meus olhos começam a perscrutar as janelas do lado de lá, as que estão abertas e as que estão só um pouco abertas. (Gostou do verbo? É do tipo rebuscado demais, que não combina com este texto, né? Tá bom. Vou falar de outro jeito, assim que fechar os parênteses.) Em seguida, meus olhos começam a especular as janelas do lado de lá, as que estão abertas e as que estão só um pouco abertas. Não vejo nada incomum através delas, exceto em uma das que estão fechadas. Calma, não tenho a visão do Superman, nem tive vislumbres de silhuetas desnudas. Nada disso. A cortina branca, uma espécie de renda, de repente não está mais branca. Está vermelha. Sim, está vermelha, igual a vinho, a flor vermelha. Não é outra cortina, não. Ou é? Firmo os olhos pra ter certeza. Espera! Não é a cortina. É a luz que agora é vermelha. — Nossa! A luz que é vermelha?... Abandono a colher lambida na pia – depois eu lavo – e venho para a sala. Olho para o teto e mentalmente, pra ver como ficaria, troco as três lâmpadas por três vermelhas. A casa fica toda vermelha, os livros empilhados aqui e ali, a tábua de passar roupa, a escrivaninha, as paredes, o chão, nossa!, tá tudo vermelho. Vou ao quarto e, mamma mia!, quarto vermelho? Parece quarto de zona. Se fosse, eu ia querer ser a Madame. Dali mesmo olho pro banheiro e me imagino, praticamente cegado pela vermelhidão, esfregando a bucha febrilmente em alguma cicatriz, ou pinta qualquer, achando que é macuco. Não. Para. Troca essas lâmpadas. Chacoalho a cabeça como para espantar um inseto, e a claridade volta ao normal. Ao normal entre aspas, porque já tá escuro, a noite chegou. Acendo a luz, branca, sento aqui, apoio o queixo na palma da mão e, antes de pensar em tudo o que falei acima, ouço a voz de uma criança lá na rua chamando a mãe. Mãe, olha isso! Lembro da minha. Sinto um nó por dentro, uma saudade tão baita... Abro o Word e começo a escrever sem planejar: Sinto falta da calçada escurecida pela noite, das folhas que estalam sob os meus pés, da cadeira de alpendre que se arrasta no cimento, do cachorro que pula no meu colo, do vento que passa me dizendo que é hora de entrar. Sinto falta de entrar, sinto falta de sair, sinto falta ficar, sinto falta de mim, e ponto final.
OBS: Até aqui escrevi, e você leu, quinhentas e oitenta e nove palavras!