CAIXA D'ÁGUA
Preparamos, eu e Pedro, todas as tralhas necessárias para as investidas no seio da mata que está ali nos encarando ousadamente do outro lado da rua, subindo o aclive da pequena montanha. É lá também onde o sol se esconde durante à noite até que a lua volte a dormir por quase 12 horas. Após checar todos materiais, descemos as escadarias do prédio a um batuque firme e poderoso emanado por nossas botinas. Realizamos nosso primeiro intervalo em uma padaria na intenção de comprar algumas guloseimas doces e salgadas para satisfazer os estômagos famintos gerados pela longa expedição, que eu nem sabia que dispenderia tanta energia assim. As broinhas, em especial, parecendo discos voadores de coloração amarelo-fubá, chamaram atenção por seu formato inusitado com a porção superior salpicada de açúcar cristal. Pareciam saborosas e realmente teriam um poder revigorador imenso, pois aquele brilho lá por cima estava intenso.
Ganhamos a rua novamente e seguimos até próximo ao centro da cidade, ali perto da rua do Lazer, para iniciar nossa aventura selvagem e radical. Antes de adentrarmos pelo interior da floresta, dei uma rápida conferida observando se os equipamentos de proteção estavam no seu devido lugar. A curiosidade era tamanha para encarar aquele mato que eu desconhecia ainda, mas a indubitável tentação nunca havia largado meu ser que era carcomido pela louca vontade de desbravar aquele mato. Logo no início, a primeira prova de resistência, exigente de uma estrutura e treinamento físicos de alto nível, desafiou em grande estilo meu organismo gordo e pouco preparado. Era um aclive sinistro, de uns 70 m de comprimento, que demorei quase 20 minutos para subir. Ufa! Cheguei lá em cima ofegante e dei uma pausa para descanso, repor a água perdida e botar umas moléculas de oxigênio pra dentro dos pulmões.
Seguimos em frente e, tomado por minha conhecida gula por coletas botânicas, saquei a tesoura de poda escondida em algum bolso atrevido e sujo da minha mochila. Topei mais a frente com as minhas primeiras plantas do amanhecer, na trilha já plana contornando a mata pelas curvas de nível. O saco plástico transparente e de certa resistência, foi logo sendo preenchido pelo conteúdo de uma diversidade incrível de plantas de variadas cores, cheiros, formatos.
Uma curiosidade à parte, que persistia na minha cachola desde o início do trajeto, porém, era uma mangueira preta, de fina polegada, que nos acompanhava. Embora, as vezes ela cruzasse nosso caminho sendo difícil evitar uma pisada bem cravada sobre seu corpo, me senti aliciado por aquele objeto de polietileno que não tinha fim. Até aonde vai o comprimento dessa mangueira? Qual motivo dessa mangueira estar aqui dentro da floresta? Seria nossa guia? Fiquei com essas indagações martelando o meu crânio.
Aquela vereda foi se estreitando, até que escutei um zunido de água correndo entre pedras. Descemos uma pequena ribanceira formada no meio da trilha e chegamos nesse trecho que era uma linda cascata, cheia das mais belas plantas. Lógico que não dei bobeira e fui apanhando toda aquela diversidade para estudo, colhendo seus componentes e anotando todas as informações. Aquela mangueira delgada que se estendia desde o começo se encontrou com suas colegas relutantes aos montes ao meio da queda d’água. Mas toda aquela tropa, curiosamente, seguia rio acima, explorando cada brecha do corpo d’água.
Como as mangueiras, eu e Pedro, após um bom intervalo, seguimos também rio acima acompanhando toda aquela extensão negra de plástico, mas para a gente os obstáculos eram inúmeros incrustados no caminho, como eram as travessias insanas da cascata sobre pedras lisas e molhadas. Vencemos os percalços corajosamente. Meia hora depois chegamos ao clímax daquela avalanche de mangueiras, lá em cima, onde a água havia sido represada. Sobre o organismo da pequena barragem, nas águas já repousadas, aquela negritude desarranjada emplacou um silencioso descanso. Eu, sem pestanejar, também dei uma pausa e comigo tirei um momento para refletir e responder meus questionamentos iniciais. Antes disso, porém, lembrei que o Parque São Lourenço, onde obviamente estávamos naquele dia de expedição, também é conhecido como “mata da caixa d’água”. Então, utilizando fortuitamente esse nome, resumi o desenlace das indagações iniciais e passei exclusivamente para o momento de reflexão do significado daquilo que eu observava.
Essa floresta em frente ao prédio que resido, de fato, é uma verdadeira caixa d’água que serve abundantemente a muitas residências da cidade. Ai desses moradores se aqueles morros fossem despidos de sua roupagem esverdeada. Isso demonstra, no fim das contas, a grande necessidade de zelo e proteção ao meio ambiente tão desamparado em tempos recentes sob uma chuva de destruição. Conservem a natureza!