TRUFAS DA DISCÓRDIA

O cenário daquele dia de domingo, montado sob uma manta acinzentada que se estendia pela infinitude celeste, trazia uma vontade tremenda de se jogar na cama e enfiar debaixo da coberta. Ali, já dentro do quarto, aquele clima de sereno seria convidativo a assistir um bom filme, enquanto a chuva mansamente afagava os telhados e nos brindava com um fundo musical preguiçoso. Era só um pingo de desejo mesmo.

Após esse devaneio, certamente sensato, eu e minha companheira mudamos o figurino com trajes mais adequados a um passeio, contrariando o capricho de ficarmos resguardados no recinto do lar. Arrumamos os cabelos desmazelados que por um surto de rebeldia insistiam em arruaça sobre o crânio e a testa. Aquela festa cabeleira logo teve fim e uma organização estranhamente perfeita ornava nossas cacholas. Uma última conferência no visual e, munidos de guarda-chuvas, saímos em busca de uma aventura no chuvisco persistente de domingo. O tecido bem costurado sobre aquela fina estrutura metálica permaneceu em silêncio durante todo o trajeto, mesmo à queda sutil das pequenas gotículas.

Tomamos o ônibus vermelhinho lá no ponto da Escola Padre Sebastião Tirino, em Sabará, e naquele tempo chuvoso e fresco o sacolejar do transporte trazia um repentino cochilo ao corpo, fazendo a cabeça dançar desengonçada ao ritmo da condução. A linha era pela Avenida Cristiano Machado, via Barraginha, passando pelas laterais da BR-381. Rapidamente ganhamos o ponto do Minas Shopping e fomos nos deleitar pelas diversas lojas do centro comercial.

Já ao fim do passeio, como costumeiramente fazemos em nossas andanças pelos shopping’s da vida, selamos aquele entardecer gastando uns tostões em trufas recheadas. Aquelas danadas expostas nas prateleiras, com cheiros bem sorrateiros, sabores inusitados, corpo durinho ao tato e cobertas por uma embalagem chamativa eram nosso bel-prazer nas aventuras na capital mineira. Uma daquelas delícias adquirida por minha namorada que adora misturas incomuns, no entanto, possuía recheio de caju com canela e tinha também uma outra de chocolate com pimenta que, pela descoberta afoita, também fora comprada. Fiquei curioso analisando mentalmente como aquelas combinações seriam recepcionadas pelas minhas papilas gustativas já alienadas a um prévio bloqueio por sabores muito diferentes.

Na saída do centro comercial – o sereno havia sido espantado por algum vento atrevido – minha companheira, não aguentando segurar sua bisbilhotice já conhecida, abriu a sacola miúda onde se escondiam as trufas e disse “vamos provar essa daqui”. Sacou a da embalagem alaranjada e, eu perplexo não conseguindo inibir a sensação de repulsa já programada pelo meu cérebro, fui logo dizendo “eca, não quero isso”. Pra quê? Iniciamos uma pequena discussão, boba por sinal, em frente aquelas duas doçuras que não estavam compreendendo bem a situação.

No ponto de ônibus, aguardando pela condução no retorno de fim de tarde, carimbamos a paz satisfazendo nossa gula com as trufas da discórdia. Eu ainda não me sentia adaptado àquelas misturas opostamente extremas, mas ninguém precisava saber disso, né? Não quero mais ter essas discussões bobas com minha namorada. Só quero amá-la.