A PROMOTORA
Ao tempo em que o Dr. Flaminio, velho colega de batalhas judiciais, advogava numa pequena cidade do interior do Estado do Espírito Santo, apareceu em seu escritório uma linda estagiária que cursava, na época, o 5o ano de direito e pretendia ser Promotora de Justiça, tão logo se formasse. Dona de um palavreado muito fluente e sempre pronta a resolver qualquer situação, era o protótipo da advogada perfeita, daquelas ou daqueles, para não parecer discriminação, que pensam como os donos da verdade e que a causa é sempre ganha, por mais errado esteja o seu cliente. Nada era impossível para ela. Diante de qualquer problema que surgia tinha sempre a mais perfeita e fácil solução, embora raramente estas soluções apresentassem a praticidade exigida na vida forense.
Gostava de falar inglês. Pelo menos tentava. Gabava-se de ter sido uma das melhores alunas no curso que fizera, e, lamentava-se constantemente por não ter ido para os Estados Unidos num destes intercâmbios que a gente vê por ai.
Apesar de não ser muito estudiosa, o que, a toda evidência é um poderoso aliado daquele que será, seguramente, um péssimo advogado, descobriu que o termo “writ” que, em inglês, é o mesmo que mandado, era muito usado na linguagem forense, principalmente em se tratando de Mandado de Segurança. Não precisa dizer que a menina especializara-se na matéria e era um tal de “writ” pra cá e “writ’ pra lá que ela, sem atinar pela coisa, estava dando o que falar, e passara a ser objeto de gozação por parte de todos que freqüentavam o Fórum local.
Acompanhava as audiências, mas nunca participara efetivamente de uma, mesmo porque o Dr. Flaminio, a par de querer ajudá-la, sabia que a linda estagiária falava muito, era muito extrovertida, mas, na verdade, de direito mesmo ainda entendia muito pouco. Tinha um receio natural de que ela viesse, não só a comprometer algum trabalho, mas até mesmo o de ficar queimada por alguma “gafe” que pudesse cometer. O calejado advogado sabia perfeitamente que em direito, o velho ditado “quem fala muito dá bom dia a cavalo”, se encaixava como uma luva em tais casos.
A ciência de advogar não está no escrever muito e muito menos no falar muito, mas sim no escrever e falar pouco, mas dizer muito. E somente depois de muitos anos, quando você entende que ninguém conhece mais do que ninguém e que, na verdade, o que existe são conhecimentos diferentes, é que se consegue alguma coisa nesta difícil profissão.
Mas, como todos temos que iniciar nossa vida profissional de alguma forma, em alguma coisa, chegou a oportunidade da futura promotora fazer o que tanto queria que era participar, efetivamente, de uma audiência onde pudesse falar e, assim, mostrar seus dons de oratória. Era uma excelente oportunidade. O processo era muito simples. A causa estava praticamente ganha e bastava requerer, na audiência, a extinção do feito por motivo extremamente relevante. Não havia como o Juiz decidir de outra maneira, face ao erro grosseiro que havia passado despercebido à parte contrária.
Assim, foi dada à futura representante do “Parquet” a incumbência de apresentar, em audiência, as alegações finais, alegações estas que a causídica em questão havia preparado com antecedência, e o texto fora devidamente aprovado pelo Dr. Flaminio que apenas havia incluído uma ou outra palavra mais técnica como, por exemplo, a locução latina” in fine”. Trata-se de uma expressão muito usada no mundo jurídico que significa ao final, no fim... Os advogados usam o termo geralmente para informar ao juiz ou chamar a atenção de que o que se pretende está no final do texto escrito, ou do artigo citado: “conforme artigo 267, in fine...” Ou:” Por seu procurador in fine assinado...” A pronuncia é exatamente da forma que se escreve. “Infini.”
Na audiência a nossa promotora ia relativamente bem em seu pedido até o momento em que deparou com a locução e, sem perder a pose, iluminada por uma aura de extrema sabedoria sapecou na cara do Magistrado: ...” Isto posto, requer a Vossa Excelência, com fulcro no artigo 267, VI “INFÁINE”...
Infelizmente foi difícil segurar o riso do Magistrado que, por sua vez, já conhecia a fama da causídica americanizada.
Hão de perguntar: Qual o final da nossa estagiária?
Sinceramente, há muito tempo não vejo a entusiasmada candidata a promotora. Acho que nem mesmo advogar ela advoga. Não aqui, pelo menos... Quem sabe, enfim, nos confins dos Estados Unidos...?
Nelson de Medeiros