É só uma roseira no meu jardim. A única que sobreviveu e se adaptou, sem os cuidados de minha mãe. Ela tem o dedo verde. Eu nem sei regar direito, sem risco de enxarcar. Não sei como escaparam de mim essa habilidade e sensibilidade com as plantas, quase que genética. Deve ter saltado minha geração, pulou minha vez. Não me orgulho disso, na verdade, queria ter o mesmo amor e cuidado que via da minha avó em meio às suas plantas e minha mãe, quando está entre as dela. Muito tempo com a coluna envergada, debruçada e dedicada à adubagem, poda, aragem, remoção das ervas daninhas, conversa, canções assoviadas. Tenho impressão que já ouvi orações sussurradas, deve ser um excelente templo de oração, onde se cuida da vida com as mãos, onde se mexe com a terra, com a água, criatura cuidando da criação e conversando com o Criador.
Já tentei conversar com a roseira, mas o assunto não rende. Pergunto se quer água, se o tempo está bom, se ela acha que vai chover, conto quantos botões e arrisco qual deles será a rosa mais bonita e vistosa. Sempre erro. Dessa vez não teve erro. Foi só um botão, só uma rosa. A rosa da quarentena. Vistosa, solitária, forte, majestosa no topo da roseira. Herdeira do trono, absoluta e plena, delicadamente acariciada pelo orvalho. 
Um exército de espinhos a fazer sua guarda. Aqui está segura, não vou subtrai-la de seu trono. Vou continuar admirando o milagre da vida nesse formato tão formoso e perfumado. Me peguei sussurrando uma oração. Agradeci porque nem mesmo minha inaptidão com as plantas conseguiu atrapalhar o milagre da vida. Na verdade, nada atrapalha. 


 
Alda Guimarães
Enviado por Alda Guimarães em 06/06/2020
Reeditado em 06/06/2020
Código do texto: T6969910
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.