Desabafo Isolado III
Hoje amanhecemos com um ministro, antes mesmo de completar 30 dias à frente da pasta da Saúde, se despedindo do Governo. Não foi surpresa nenhuma. Esta era mais uma baixa anunciada pelo mandatário. A saída foi motivada pela falta de alinhamento ao discurso em prol do isolamento vertical e do uso da Cloroquina, medicamento sem eficiência comprovada contra o COVID-19. Contudo, trata-se apenas de mais um detalhe do pandemônio criado pelo Zero Cinco, um dos seus pseudônimos em exames que são, claramente, provas de falsidade ideológica.
Parece distante o dia em que acordaremos com a notícia de que o “Mito”, possuído por uma carga pesada de demônios imaginários e perseguidores, finalmente foi retirado do trono no qual chamais deveria ter se sentado. Mesmo porque, não somos uma Monarquia. Nem sabemos mais o que somos.
Em meio a isso, me parece vaga a possibilidade de abraçar meus filhos, minhas netas, minha mãe com seus 92 anos, meus poucos e essenciais amigos. E essa, hoje, é a parte que dói mais.
Estou devastada pela falta das pessoas que amo. Pela impossibilidade de ouvir a voz sussurrada de minha mãe, misturando passado e futuro em suas narrativas finais. Por não poder caminhar até a praia, de mãos dadas com Alice, fingindo que o mundo merece os unicórnios e as sereias que ela inventa. Estou triste, porque, diante dos desmandos e das loucuras federais, resta a lembrança dos olhos sorridentes da minha pequena Lucille. É como se o mundo de antes estivesse fadado a uma distância intransponível.
Observo o silêncio e os tantos barulhos que esse silêncio traz. Ouço, todos os dias, a voz da amiga Iracema, que me puxa para a realidade, avisando: - Vai passar, em breve estaremos, de novo, caminhando pelas areias da praia de Itapuã, fazendo ecoar o riso das nossas conversas intermináveis. Porque Iracema é quase uma sereia, cabe avisar.
Olho meu pai, 88 anos, tomando sol pela manhã e comentando as tristes notícias dessa Nação sem rumo. E a tristeza se posta na sombra, ao lado dele. Os dias parecem repetidos, como se tivéssemos sido “bugados” numa segunda-feira qualquer, após um final se semana com momentos agradáveis. Estamos vivendo no “outrora” porque, nesta luta para vencer a morte e os seres incautos, não vislumbramos o futuro. Estamos atados numa “lonjura” de dar nos nervos.
Hoje amanhecemos sem esperança. Não porque não a queiramos, mas porque as mortes, as pilhas de corpos, o luto, a saudade, tem o dom de nos assombrar. Estamos, quase todos, com medo. Pior: “Não estamos no mesmo barco. Estamos na mesma tempestade”, como bem colocou alguém em referência a esse momento em um dos “memes” que a Internet transporta, juntamente com as notícias, de um lado a outro, enquanto nos emudecemos sem sair do lugar. (15 de Maio de 2020).