Desabafo Isolado I
Já não é mais possível assistir a tudo sem tomar posição. Adoraria me dar ao luxo da neutralidade, mas a realidade tem soado assustadora. Estamos há vários dias de confinados e, não bastasse, a agonia que isso provoca, o barulho ensurdecedor da incerteza, assistimos a uma rinha política, na qual apenas a aposta venal importa. Hoje, assim como nos outros dias, tenho tentado acompanhar as notícias que se avolumam em meio às mortes. Chama a atenção a preocupação de um homem, em cargo público, estar rebatendo na tecla do uso da medicação que lhe rende algo mais que o título da imbecilidade. Ouvir que as pessoas estão com fome, que precisam se arriscar para sobreviver. Ora, em qual momento os menos abastados não viveram desse modo? Ninguém que precisa comer e recebe algumas moedas, merece ouvir sobre a urgência de trocar essa vida, já miserável, pela morte agonizante provocada por um vírus. Vivemos a pandemia da fome em vários pontos do planeta. Há miseráveis sob as marquises, há extrema miséria logo ali, atrás do arranha céu. Estou simplesmente encolhida diante de tanta sordidez. Como pudemos deixar que essas pessoas fossem mais donas de tudo, até da verdade que muitos de nós conhecemos em detalhes? Estamos emudecidos. O humano nunca teve noção da humanidade, muito menos, pelo visto, do direito da dignidade. Nesse país, em especial no Brasil, terra de poucos e de muitos "ninguéns" já aceitamos a morte quando despontamos no mundo. Já nascemos marcados. A maioria. E, infelizmente, mesmo em meio a isso, há quem faça coro com a insensatez. Estamos perdidos. Fodidos estaríamos melhor, eu acho. (13 de maio de 2020).