O DIA A DIA

OS FATOS E AS GRAVATAS

Se não fosse pelas outras realidades que chego a ler, numa aposta absurda, teria perdido a minha própria mulher. Com uns três amigos, em Saurimo, uma cidade da Província da Lunda-Sul, Angola, caminhávamos descontraidamente. Não tínhamos uma coordenada certa. Não bastava o facto de estarmos a viver numa situação pandémica, pusemo-nos na via e iniciámos a nossa incerta caminhada, com o intento ainda por se descobrir.

Felizmente, recordo-me nitidamente: começou uma discussão, que, na altura, parecia um trabalho infundado em inconsciência por parte dos meus amigos. Não manifestei o meu desagrado de imediato. Nélson Mandela, um grande líder africano, que Deus o tenha em sua glória celeste, dizia que “A Educação é a arma mais poderosa para se transformar o mundo.” É essa arma que se usa no meu país para aprisionar as mentes dos pacatos cidadãos. No teor da conversa, havia um primado de que, segundo meus amigos, os que usam fatos e gravatas são pessoas mais responsáveis, inteligentes, honestas, trabalhadoras. Pus-me à reflexão momentânea, lembrei-me de que se tratava de uma mania que temos por cá: basta um que diz “bom dia” com sotaque à tua e um bom terno [preto ou azul-escuro], que o povo prescreve lovo “aquele é responsável, é homem sério.” E chegam as meninas a preferir namorados que se vestem tal qual fazem os políticos. Também, já vi bué de gajos com fatos bonitos, mas mentes e bolsos pintados de vazios.

De fatos e gravatas, pasmem, conheço, nas minhas bandas, professores corruptos, pedófilos, incompetentes; pastores gananciosos, que constroem lojas, cantinas, compram carros de luxo, com a massa do sofredor cristão devoto, que crê num amanhã melhor. Enfim... Faz tempo que ignorei os fatos e as gravatas, não que não os goste, até os uso de quando em quando. Porém, e portanto, fica clarificada uma coisa: já não é de dar-se crédito ao facto de que aquelas vestes representam inteligência, sabedoria, responsabilidade, compromisso e outros etcs.