SOPA DE PEDRAS
Estava onde mais gostava de estar: assentado ao lado do meu velho e querido Vovô. Admirava-o! Tinha e tenho por ele um imensurável amor que era correspondido com a mesma intensidade. Admiração e amor eram recíprocos! No momento, ele se encontrava na labuta diária de tecer (Era um exímio talabarteiro!) um cabresto de couro. O artesanato, por ele desenvolvido, era uma forma de passar o tempo – uma, digamos, terapia ocupacional! O seu atelier ficava à margem da estrada que ligava a cidade de Teófilo Otoni às cidades da orla marítima dos litorais baiano e capixaba. A sua pequena fazenda era tocada por um grupo de empregados, muito mais amigos que serviçais. Todos, indistintamente, tinham pelo Vovô Benício (Lindo, maravilhoso pré-nome Benício, completado pelo garboso Barbosa Santiago!) um imensurável respeito e dedicação.
Era uma manhã de um sábado qualquer. Era, contudo, o dia da semana no qual os trabalhadores rurais saíam das suas casas e se dirigiam à pequena vila denominada Bias Fortes, onde então, comprariam os mantimentos semanais. Faziam a famosa feira. E o dia de sábado, passou a ser conhecido como sendo o de se ir ao mercado – dia da feira!
Assentado, ao lado do meu amado Vovô, sorria ao ver aquele amontoado de pessoas a passarem e – respeitosamente, diga-se – saudarem o Vovô e a ele pedirem a bênção: - Bença, Vô Biniço! Os caboclos, fazendo uso da lei do menor esforço, transformavam o lindo nome Benício, para, tão somente, Biniço. Porém, essa mutação não retirava a grandeza e a plástica beleza do nome. E o festival de “Bença Vô Biniço” era repetido por cada um dos componentes do imensurável grupo de passantes. O mais engraçado, contudo, era que, para todos, e de uma forma carinhosa, havia sempre a resposta ao pedido sob a forma de um: - Deus te abençoe ou uma ‘benção de Deus’ proferida pelo meu querido Vovô.
Eu sorria ao ver as cenas descritas. Não era um riso de escárnio, gozações. Era – devo confessar – um orgulhoso riso por saber o quão querido e respeitado era o meu Vovô! Contudo, estava ansioso, ávido pelo término do trabalho executado por ele. Sabia que ao findar deste, viria uma história – sempre bonita – das inúmeras que, somente ele sabia contar. Era esse, o motivo da minha ansiedade e pressa pelo término do trabalho do meu velho e querido Vovô!
Enfim, ele para. O trabalho estava concluído e o fruto dele era um belo cabresto, verdadeira obra de arte do meu Vovô talabarteiro. Ele se levanta, estica os cansados braços em exercícios de alongamentos e se dirige a uma bacia com água, onde lava as mãos e o rosto. Ofereço-lhe uma toalha na qual as enxuga, bem como, o rosto.
A Vovó Glicéria se apresenta. As mãos estavam ocupadas por uma enorme bandeja abarrotada de guloseimas e dois fumegantes bules – um contendo café, o outro, leite. Meus olhos brilhavam. Já estavam devorando aquelas apetitosas quitandas, frutos da criatividade da Vovó. O famélico leão rugiu no meu estômago. Riu a Vovó. Riu o Vovô. Rimos nós. Meu riso era, em princípio, amarelo pela vergonha que o faminto leão me fizera passar. Depois que a “vergonha” se escafedeu, o amarelado sumiu. Limpamos, literalmente, a bandeja. Agora, o riso era só da Vovó ao dizer: -Nossa! Vocês estavam com muita fome, não? Quase comeram a bandeja e os bules.
Graças a essa observação, o riso, agora, era uníssono como se orquestrado fosse. A minha aflição, todavia, recrudescia. Queria ouvir uma das histórias do Vovô. Parecendo ser um vidente – nem precisava ser – ele lê os meus pensamentos. A pergunta vem de sopetão: -Meu neto, eu já te contei a história da Sopa de Pedras? -Não, Vovô! Afoito, ansioso, aflito e apressado, quase gritei: conta, Vovô, conta!E o meu velho (Meu querido e amado velho.) começa a narrativa: -Lá no sertão da Bahia tinha um fazendeiro muito rico. O seu nome era Firmino. Possuía tanto gado que nem sabia quantas eram as cabeças. Os limites das terras dele ultrapassavam os limites donde as vistas alcançavam. Ele tinha a fama de ser o maior pão duro de toda a Bahia. Nunca deu, ou dava nada a ninguém.
Certo dia, lá estava ele refestelado na rede de balanço – cochilava depois de uma lauta refeição. O seu descanso, contudo, fora interrompido por um forasteiro que chegava e o cumprimentava: - Boa tarde, senhor!
Por entre os dentes do fazendeiro saiu um seco: - Boa!
Pela cabeça do avaro Firmino passava uma imprecação: - Santo Deus! Mais um pedinte. A continuar desse jeito eu vou acabar pedindo esmolas! Com indisfarçável cara de chateado e ar de poucos amigos, indaga: - O que deseja o moço? - Sabe, senhor, eu estou com fome! O senhor poderia me dar um prato de comida? -Não! O almoço já foi servido e nada sobrou – disse! Na nossa despensa não tem nada que possa te dar – mentiu descaradamente! Ainda não fizemos as compras da semana – concluiu!
O pedinte insiste: - Nesse caso eu poderia fazer uma sopa de pedras, aqui, no quintal? -Sopa de pedras? O que é isso? Indaga o fazendeiro! -É uma deliciosa sopa que sempre faço. O senhor vai gostar. Posso fazê-la aqui?
Pela cabeça do fazendeiro passam mil e uma ideias. Dentre elas, uma lhe martelava a mente: Opa!... Se for possível fazer uma sopa de pedras, é claro que aprenderei como fazê-la. E assim, vou economizar muito dinheiro, dando somente sopa de pedras para os meus empregados.
O cérebro do fazendeiro deu a ordem e ela sai pela boca como um furacão:
- Pode fazer! Mas, eu quero que você me ensine – vociferou! - Está certo, senhor! Eu ensino. Dito isso, o forasteiro pega de dentro das suas tralhas uma panela de ferro. Vai até um pequeno córrego, lava-a e nela coloca um pouco d’água e quatro pequenas pedras lavadas com esmero. (O fazendeiro, com olhar curioso, a tudo assiste.) Aproximando-se da casa, o forasteiro improvisa uma trempe, usando algumas pedras que abundam o local. Alguns gravetos são colocados no centro delas e são acesos. Estava pronto o improvisado fogão.
Na varanda há um silêncio de tocaia. Sob o olhar atento do senhor Firmino a água iniciou a fervura. O forasteiro, vez por outra, usando uma colher de pau, dava uma mexida nas pedras que ferviam, retirava um pouco da água e provava-a. Rindo – e com incontida curiosidade – o fazendeiro indagou: -E aí, “cozinheiro de pedras”, está ficando gostoso? -Se tivéssemos um pouco de sal (Aí, sim!), ficaria uma delícia!
O fazendeiro se prontificou em arranjar o sal. -Maria, traga o sal, aqui para o moço. Vá correndo velha imprestável – vociferou! O sal é entregue ao cozinheiro forasteiro que o colocou na panela, provando para sentir o paladar. -E aí, melhorou o sabor? Indaga o fazendeiro! -Está bom, sim! Ficaria mais gostoso se colocássemos alguns pedaços de carne de sol. Nossa mãe! Isso ia ficar de dar água na boca. -Traga um bom pedaço de carne para o forasteiro, Maria – ordenou o fazendeiro!
A carne trazida é colocada na panela. Depois da carne, várias outras coisas foram pedidas, recebidas e acrescentadas à sopa: óleo, arroz, legumes, tubérculos e até uma pimentinha para dar o toque final ao paladar.
-E aí – quis saber o fazendeiro – está gostoso? -Uma “farinhazinha” (Hum...! Não sei não, viu?) seria um acréscimo que faria brotar água na boca de muita gente. E, rindo, completou: - Nem cachorro vai comer porque nada vai sobrar. Francos e enormes sorrisos apareceram nos rostos do fazendeiro, empregados e forasteiro. -Traga a farinha Maria – ordenou o avaro Firmino!
A farinha chega e permanece na terrina. De dentro da panela o astuto forasteiro retira os ingredientes cozidos: carne, legumes, tubérculo e arroz, colocando-os em um prato. A eles, adiciona a farinha. Calmamente, escolhe um local onde vai almoçar. Uma frondosa árvore se apresenta com sua fresca sombra. E sob ela o forasteiro assenta-se e saboreia o quitute por ele preparado com esmero e vivacidade.
Intrigado, o fazendeiro quis saber e, para tanto, indaga: - E as pedras? O que você fez com as pedras?
Demonstrando uma atitude típica de mineiro, calmamente, o forasteiro termina de engolir um dos saborosos pedaços da carne para, em seguida, responder: -As pedras? Ah! Elas são iguais a tanta gente boba e avarenta: tem em todos os lugares.
Olhando as faces dos empregados que faziam enorme esforço para não sorrirem, o fazendeiro reconheceu que fora enganado pelo ladino forasteiro e a sua Sopa de Pedras.
Altamiro Fernandes da Cruz
Estava onde mais gostava de estar: assentado ao lado do meu velho e querido Vovô. Admirava-o! Tinha e tenho por ele um imensurável amor que era correspondido com a mesma intensidade. Admiração e amor eram recíprocos! No momento, ele se encontrava na labuta diária de tecer (Era um exímio talabarteiro!) um cabresto de couro. O artesanato, por ele desenvolvido, era uma forma de passar o tempo – uma, digamos, terapia ocupacional! O seu atelier ficava à margem da estrada que ligava a cidade de Teófilo Otoni às cidades da orla marítima dos litorais baiano e capixaba. A sua pequena fazenda era tocada por um grupo de empregados, muito mais amigos que serviçais. Todos, indistintamente, tinham pelo Vovô Benício (Lindo, maravilhoso pré-nome Benício, completado pelo garboso Barbosa Santiago!) um imensurável respeito e dedicação.
Era uma manhã de um sábado qualquer. Era, contudo, o dia da semana no qual os trabalhadores rurais saíam das suas casas e se dirigiam à pequena vila denominada Bias Fortes, onde então, comprariam os mantimentos semanais. Faziam a famosa feira. E o dia de sábado, passou a ser conhecido como sendo o de se ir ao mercado – dia da feira!
Assentado, ao lado do meu amado Vovô, sorria ao ver aquele amontoado de pessoas a passarem e – respeitosamente, diga-se – saudarem o Vovô e a ele pedirem a bênção: - Bença, Vô Biniço! Os caboclos, fazendo uso da lei do menor esforço, transformavam o lindo nome Benício, para, tão somente, Biniço. Porém, essa mutação não retirava a grandeza e a plástica beleza do nome. E o festival de “Bença Vô Biniço” era repetido por cada um dos componentes do imensurável grupo de passantes. O mais engraçado, contudo, era que, para todos, e de uma forma carinhosa, havia sempre a resposta ao pedido sob a forma de um: - Deus te abençoe ou uma ‘benção de Deus’ proferida pelo meu querido Vovô.
Eu sorria ao ver as cenas descritas. Não era um riso de escárnio, gozações. Era – devo confessar – um orgulhoso riso por saber o quão querido e respeitado era o meu Vovô! Contudo, estava ansioso, ávido pelo término do trabalho executado por ele. Sabia que ao findar deste, viria uma história – sempre bonita – das inúmeras que, somente ele sabia contar. Era esse, o motivo da minha ansiedade e pressa pelo término do trabalho do meu velho e querido Vovô!
Enfim, ele para. O trabalho estava concluído e o fruto dele era um belo cabresto, verdadeira obra de arte do meu Vovô talabarteiro. Ele se levanta, estica os cansados braços em exercícios de alongamentos e se dirige a uma bacia com água, onde lava as mãos e o rosto. Ofereço-lhe uma toalha na qual as enxuga, bem como, o rosto.
A Vovó Glicéria se apresenta. As mãos estavam ocupadas por uma enorme bandeja abarrotada de guloseimas e dois fumegantes bules – um contendo café, o outro, leite. Meus olhos brilhavam. Já estavam devorando aquelas apetitosas quitandas, frutos da criatividade da Vovó. O famélico leão rugiu no meu estômago. Riu a Vovó. Riu o Vovô. Rimos nós. Meu riso era, em princípio, amarelo pela vergonha que o faminto leão me fizera passar. Depois que a “vergonha” se escafedeu, o amarelado sumiu. Limpamos, literalmente, a bandeja. Agora, o riso era só da Vovó ao dizer: -Nossa! Vocês estavam com muita fome, não? Quase comeram a bandeja e os bules.
Graças a essa observação, o riso, agora, era uníssono como se orquestrado fosse. A minha aflição, todavia, recrudescia. Queria ouvir uma das histórias do Vovô. Parecendo ser um vidente – nem precisava ser – ele lê os meus pensamentos. A pergunta vem de sopetão: -Meu neto, eu já te contei a história da Sopa de Pedras? -Não, Vovô! Afoito, ansioso, aflito e apressado, quase gritei: conta, Vovô, conta!E o meu velho (Meu querido e amado velho.) começa a narrativa: -Lá no sertão da Bahia tinha um fazendeiro muito rico. O seu nome era Firmino. Possuía tanto gado que nem sabia quantas eram as cabeças. Os limites das terras dele ultrapassavam os limites donde as vistas alcançavam. Ele tinha a fama de ser o maior pão duro de toda a Bahia. Nunca deu, ou dava nada a ninguém.
Certo dia, lá estava ele refestelado na rede de balanço – cochilava depois de uma lauta refeição. O seu descanso, contudo, fora interrompido por um forasteiro que chegava e o cumprimentava: - Boa tarde, senhor!
Por entre os dentes do fazendeiro saiu um seco: - Boa!
Pela cabeça do avaro Firmino passava uma imprecação: - Santo Deus! Mais um pedinte. A continuar desse jeito eu vou acabar pedindo esmolas! Com indisfarçável cara de chateado e ar de poucos amigos, indaga: - O que deseja o moço? - Sabe, senhor, eu estou com fome! O senhor poderia me dar um prato de comida? -Não! O almoço já foi servido e nada sobrou – disse! Na nossa despensa não tem nada que possa te dar – mentiu descaradamente! Ainda não fizemos as compras da semana – concluiu!
O pedinte insiste: - Nesse caso eu poderia fazer uma sopa de pedras, aqui, no quintal? -Sopa de pedras? O que é isso? Indaga o fazendeiro! -É uma deliciosa sopa que sempre faço. O senhor vai gostar. Posso fazê-la aqui?
Pela cabeça do fazendeiro passam mil e uma ideias. Dentre elas, uma lhe martelava a mente: Opa!... Se for possível fazer uma sopa de pedras, é claro que aprenderei como fazê-la. E assim, vou economizar muito dinheiro, dando somente sopa de pedras para os meus empregados.
O cérebro do fazendeiro deu a ordem e ela sai pela boca como um furacão:
- Pode fazer! Mas, eu quero que você me ensine – vociferou! - Está certo, senhor! Eu ensino. Dito isso, o forasteiro pega de dentro das suas tralhas uma panela de ferro. Vai até um pequeno córrego, lava-a e nela coloca um pouco d’água e quatro pequenas pedras lavadas com esmero. (O fazendeiro, com olhar curioso, a tudo assiste.) Aproximando-se da casa, o forasteiro improvisa uma trempe, usando algumas pedras que abundam o local. Alguns gravetos são colocados no centro delas e são acesos. Estava pronto o improvisado fogão.
Na varanda há um silêncio de tocaia. Sob o olhar atento do senhor Firmino a água iniciou a fervura. O forasteiro, vez por outra, usando uma colher de pau, dava uma mexida nas pedras que ferviam, retirava um pouco da água e provava-a. Rindo – e com incontida curiosidade – o fazendeiro indagou: -E aí, “cozinheiro de pedras”, está ficando gostoso? -Se tivéssemos um pouco de sal (Aí, sim!), ficaria uma delícia!
O fazendeiro se prontificou em arranjar o sal. -Maria, traga o sal, aqui para o moço. Vá correndo velha imprestável – vociferou! O sal é entregue ao cozinheiro forasteiro que o colocou na panela, provando para sentir o paladar. -E aí, melhorou o sabor? Indaga o fazendeiro! -Está bom, sim! Ficaria mais gostoso se colocássemos alguns pedaços de carne de sol. Nossa mãe! Isso ia ficar de dar água na boca. -Traga um bom pedaço de carne para o forasteiro, Maria – ordenou o fazendeiro!
A carne trazida é colocada na panela. Depois da carne, várias outras coisas foram pedidas, recebidas e acrescentadas à sopa: óleo, arroz, legumes, tubérculos e até uma pimentinha para dar o toque final ao paladar.
-E aí – quis saber o fazendeiro – está gostoso? -Uma “farinhazinha” (Hum...! Não sei não, viu?) seria um acréscimo que faria brotar água na boca de muita gente. E, rindo, completou: - Nem cachorro vai comer porque nada vai sobrar. Francos e enormes sorrisos apareceram nos rostos do fazendeiro, empregados e forasteiro. -Traga a farinha Maria – ordenou o avaro Firmino!
A farinha chega e permanece na terrina. De dentro da panela o astuto forasteiro retira os ingredientes cozidos: carne, legumes, tubérculo e arroz, colocando-os em um prato. A eles, adiciona a farinha. Calmamente, escolhe um local onde vai almoçar. Uma frondosa árvore se apresenta com sua fresca sombra. E sob ela o forasteiro assenta-se e saboreia o quitute por ele preparado com esmero e vivacidade.
Intrigado, o fazendeiro quis saber e, para tanto, indaga: - E as pedras? O que você fez com as pedras?
Demonstrando uma atitude típica de mineiro, calmamente, o forasteiro termina de engolir um dos saborosos pedaços da carne para, em seguida, responder: -As pedras? Ah! Elas são iguais a tanta gente boba e avarenta: tem em todos os lugares.
Olhando as faces dos empregados que faziam enorme esforço para não sorrirem, o fazendeiro reconheceu que fora enganado pelo ladino forasteiro e a sua Sopa de Pedras.
Altamiro Fernandes da Cruz