Concha

Respira fundo, morde os lábios, bate o pé no chão, as mãos estão suadas, passa na calça pra ver se melhora. Eu tenho mesmo que falar com eles? Uma voz na minha cabeça pergunta.

Conhecer novas pessoas é sempre um desespero, digo com propriedade que prefiro pegar ônibus no centro da cidade, em horário de pico, do que manter contato visual com um estranho. Meu corpo para de funcionar, por alguns instantes é como se o meu cérebro saísse para tomar um drink e deixasse tudo vazio, o que na maior parte das vezes resulta em uma série de murmúrios nervosos e sorrisos envergonhados.

Às vezes, acabo ficando em apuros por causa dessa mania de rir quando estou nervosa, como quando alguém se machuca e eu fico tão desesperada que só consigo rir, que mecanismo de defesa irritante. Após a longa pausa para uns comes e bebes, o meu cérebro resolve voltar a funcionar, mas a desgraça já está feita, como lidar com as consequências da insensatez?

É complicado viver em uma mente tão confusa, passado o primeiro contato com alguém, as coisas deveriam ficar mais fáceis, no entanto, é aí que o bicho pega, as apresentações cordiais se foram e agora o papo precisa fluir, mas como? É uma indecisão entre se mostrar de fato ou mostrar a carapaça tão bem constituída com o passar dos ano, a segunda opção é mais atraente, a doçura da omissão.

É lamentável ser ansiosa, a escolha da omissão é fácil, mas têm seu preço, de quebra uma angústia terrível enche o peito, afinal ninguém nunca vai me conhecer de fato, tenho devaneios tolos sobre a vida, sobre como eu seria se fosse eu, já que não o sou desde a infância.

A vulnerabilidade assusta, mas a solidão de viver todo o tempo enjaulado dentro de si, assusta mais ainda. Mas ninguém está realmente disposto a parar para ouvir o que tenho a dizer, todas as ideias malucas e as lamúrias profundas que acumulei com os anos, ninguém está mesmo afim de dedicar um tempo para desvendar mistérios ou fazer planos impossíveis de dominação mundial comigo. Me escondo.

Uma ostra com a concha entreaberta, a pérola, belíssima, por trás da áspera concha, beleza essa que, ironicamente, lhe mata por estar alí dentro, a destruição vem de dentro para fora.

Brenda Nascimento
Enviado por Brenda Nascimento em 03/06/2020
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