Meu professor esquerdista favorito
Eram vinte e três horas. Na rua mal iluminada por lâmpadas que pisca-piscavam incessantemente entraram dois homens, pela na mesma calçada, indo um em direção ao outro, um deles, jovem de dezessete primaveras, o outro, adulto de quarenta outonos. Assim que a distância que os separa reduziu-se a dois metros, o jovem de dezessete primaveras tirou de sob a camisa um revólver, e apontou-o para a cabeça do adulto de quarenta outonos, que, surpreso e assustado, ouviu-o vociferar:
- Mand’ a cartêra prá cá, véi. E o celulá. E o relójo. Vâmu, tio. Rapidão! Manda prá cá.
- Calma, menino – balbuciou e gaguejou o homem de quarenta outonos.
- Menino o diabo, véi! Não sô menino! – grunhiu o jovem de dezessete primaveras. – E calma o caçamba!
- Não queira cometer um crime...
- Que crime, tio!? Que crime!? Ficô lôco, véi!? Tá Lôco!?
- Roubar-me os meus pertences...
- Que crime, véi!? Não é crime!? Que pertence!? Que pertence!? Ninguém pertence, não! Não é crime, não! É desapropriação de propriedade particular que os capitalista rôbaro do povo oprimido. A propriedade é rôbo, diz o Prôdoun.
- Quê!? – perguntou o adulto de quarenta outonos, intrigado, surpreso, os olhos arregalados.
- Quê!? Quê!? Quê o quê, tio!? Não tem que aqui, não! Chega de papo furado, véi! Mand’ a cartêra pra cá, e o celulá, e o relójo!
- Ouça, menino, você não pode...
- Não posso o quê, tio!? Posso fazê o que eu quisé! Posso, sim. Eu sô vítima da sociedade. E ocê é uma pessoa da sociedade; então, eu sô sua vítima.
- Quê!?
- Eu sô probe, e ocê não. Então, eu sô o oprimido, e ocê é o opressor, tio! E agora eu tô, ao oprimir ocê, que é o opressor, me libertando da opressão. Foi o que o Paulo Frêre ensinou. E agora eu, o oprimido, libertando-me, oprimo o opressor. É a revolução do Frêre.
- Quê!?
- Chega de “Que!? Que!? Que!?” Chega de papo furado, tio. Aqui é papo reto! Pass’ a cartêra, ou meto uma azeitona na sua testa.
- Você não pode...
- Posso! Sô vítima da sociedade. Posso tudo. Tudo me é permitido. Eu sô oprimido; tô me libertando da opressão.
- Você...
- Cal’ a boca, tio. Ocê comprô o celulá?
- Comprei.
- E a calça?
- Sim. Comprei.
- Por que, se ocê é anti-capitalista!? se ocê é socialista!?
- O quê!? Você me...
- Cal’ a boca, tio!
- Menino...
- Menino o escambau! Ajoelhe-se!
- Quê!?
- Ajoelhe-se, tio! E abaixe a cabeça. Eu vou mijar na sua cabeça.
- Quê!?
- É arte.
- Arte!?
- Sim! Arte! Golden Shower! Ajoelhe-se, e abaixe a cabeça, ou meto duas azeitonas no seu peito e uma na sua cabeça.
E o adulto de quarenta outonos, a arma a dez centímetros de sua cabeça, obedeceu às ordens do jovem de dezessete primaveras. E o jovem de dezessete primaveras expôs para fora das calças a peça mais importante de sua anatomia de macho, e descarregou, manuseando-o com destreza incomum, jatos de urina na cabeça do homem de quarenta outonos. Encerrado a sua perfomance, o jovem de dezessete primaveras recolheu para dentro das calças o instrumento que com desenvoltura empunhara para executar a sua obra de arte.
- E então, tio!? Gostou do Show?
- Menino...
- Não me chame de menino, véi!
- Não queira...
- Não queira o quê!? E não chame a puliça.
- Por quê!?
- Os meganha são opressor. Têm armas. E ocê é contra a puliça.
- Você me co...
- Cal’ a boca, tio!
- Você poderá ser preso.
- E daí, tio. Sô de menor. Serei solto rapidão. E ocê irá me defender.
- Por quê!?
- Por que ocê é contra a puliça e a favor do desencarceramento.
- Você me conhe...
- Cal’ a boca, tio!
- Se você for preso...
- Eu direi que sou mulher. E serei preso junto com as novinha. Vô me esbaldar.
- Menino...
- Eu falei pra não chamá eu de menino! Ocê é surdo, tio!?
- Garoto...
- Assim tá melhor.
- Que... Você ficará preso com as mulheres?
- Sim, tio! Sim! Ideologia de gênero! Já ouviu falá!? Juditi Buteler! Já ouviu este nome, né, tio!? E pass’ a cartêra, tio. E o celulá! E o relójo! Rapidão, tio!
E o adulto de quarenta outonos, mãos trêmulas, entregou ao jovem de dezessete primaveras o telefone celular, o relógio e a carteira. Com tais objetos em suas mãos, o jovem de dezessete primaveras, sorrindo de orelha à orelha, enquanto afastava-se do adulto de quarenta outonos, disse-lhe:
- Valeu, tio! Ocê é o meu fessor esquerdista favorito!