O MAR EM MINHA VIDA
Nasci na cidade litorânea de Fortaleza, terra de verdes mares bravios, localizada no nordeste brasileiro com coordenadas de Latitude 03º 43' 02" S Longitude 38º 32' 35" W, com uma altitude de 21m e área de 313,8 Km². Minha adolescência foi marcada pelas inúmeras peladas à beira do mar, na maré baixa, também chamada de baixa mar. Dali eu podia observar a saída e chegada das jangadas, assim como conviver com muitos jangadeiros nas partidas de futebol sob aquela areia branca e molhada. Também via no horizonte os navios que trafegavam em direção ao Porto do Mucuripe, num desfile que me fascinava, aquilo mexia com minha imaginação. Assim o mar entrava em minha vida, respingando salmoura em minha pele queimada de sol dos finais de semana. A praia que eu frequentava não era distante de minha casa, a praia da Marinha, ia a pé mesmo com amigos ou sozinho muitas vezes. Ficava em frente à Escola de Aprendizes de Marinhos, aquartelamento da Marinha do Brasil. Vez por outra passava em frente ao Iate Club do Ceará, no Mucuripe, e por trás do muro alto, alguns mastros de veleiros à vista me encantavam no auge de minha adolescência imaginativa, era um mundo que eu não conhecia, mas que desejava muito conhecer um dia. O tempo passou...
Foi no ano de 1992, há exatos 29 anos passados que tive a minha primeira e real experiência com a navegação à vela no mar. Uma experiência que diria hoje, insana. Fui convidado por um amigo para irmos à praia da Baleia, no município de Itapipoca, distante 150 km da Capital. Aceitei de pronto e rumamos com a família dele e minha única irmã que estava em minha casa passando férias. Levamos nossos equipamentos de pesca e seguimos viagem. Ao chegarmos naquele paraíso primitivo, de gente boa e receptiva, meu amigo contratou um pescador para nos levarmos no sábado para pescarmos em alto mar, era mês de agosto, início das temporadas de ventos, que se estendia até meados de novembro e dezembro, quando se iniciava a estação chuvosa por aqui. No dia marcado, fomos pronto, tempo limpo, céu azul que doía nos olhos. Ao chegarmos no porto das canoas encontramos muitos pescadores sentados reunidos e proseando. A tripulação que nos levaria para o mar era comandada pelo finado mestre Zé Tibáu, que nos falou que não iria mais, pois o mar estava “branco” e não iria se arriscar. Olhei para o mar curioso e vi milhares de ovelhinhas brancas em toda costa, resultado dos fortes ventos nordeste que assolavam o Oceano Atlântico no meu Ceará. Meu amigo então esbravejou, reclamou, e finalmente falou o que não devia: -Nessa praia parece que não tem homem, bando de frouxos! Fiquei de certa forma aliviado com as explicações dos pescadores, era a voz da experiência falando, de velhos lobos do mar, com suas rugas e peles tostadas da labuta diária com o mar para tirar seus sustento. Tinham o meu respeito certamente. Foi aí que de repente uma voz surgiu ao meio deles e exclamou: -Eu vou!
Era o Chico Dé, jovem pescador, intrépido pela sua idade, e conforme desafiado por um cara que nem sequer era dali, sentiu que sua honra de homem do mar fora sacudida. Preferiu encarar o desafio. Outro também se ofereceu para ser o contramestre, o Neuton, falecido à pouco tempo. Pois bem, a embarcação utilizada seria a canoa Flecha, carinhosamente chamada de flechinha pelos pescadores. Até aí tudo bem, fomos à beira do mar e embarcamos com alguma dificuldade na flecha, pois as ondas de arrebentação estavam fortes, preamar. Um barco de aproximadamente quatro metros e pouco, que para mim, novidade, era normal igual as demais que estavam ancoradas no porto. Após levantarmos mastro e recolhermos o ferro nos pomos a seguir o rumo de proa. Logo no início percebi que seria uma jornada árdua para nós. A flechinha apanhava pela proa do mar nervoso, quase em fúria. Eu estava de pé ao pé do mastro olhando fixamente para a linha do horizonte, como uma estratégia de "não marear", ficar bêbado com o deslocamento das subidas e descidas nas ondas, é o que causa as nauseas até nos mais experientes navegadores, não devemos ter vergonha se isso acontecer. Navegamos por algumas horas e então afrouxamos as velas, ficaram panejando, livres ao vento, e o barco parou ao sabor do mar e das ondas. Iniciamos à pescaria e não fisgamos nada, nem ruía as iscas, ali não tinha peixes. O Vicente então falou, vamos mais pra dentro, aqui não tem nada, vamos pras 28. Isso significava 28 braças de profundidade, o que corresponde à 1,830 metros por braça. Seria loucura essa empreitada, uma vez que a distância para às 28 estava a umas 6 horas de viagem ou mais. Os pescadores nos olharam incrédulos diante daquele pedido. O mar batia no costado da pequena embarcação com força violenta e borrifava água em tudo e em todos, até mesmo na vela. Seguimos e o mar formava a nossa frente o que chamamos de swell, que são ondas gigantescas formadas pela pressão que à agua faz no fundo do oceano e levanta-se em paredões espetaculares de 4 a 8m aproximadamente. A pequena flechinha subia e na sua descida encontrava os “buracos de mar", que é um espaço em depressão entre duas ondas. A sensação era de que na queda o barco se despedaçaria e literalmente eu percebia que numa hora daquelas iria acontecer, com o fundo da canoa batendo contra a água violentamente, estremecendo toda sua estrutura. Aquilo seria demais pra ela, repetidos estresse sob suas tábuas pregadas com pregos galvanizados. Os pescadores sugeriram voltarmos à terra, o que foi de pronto contestado pelo meu amigo Vicente, quase irredutível. Nesse instante eu concordei com os pescadores e ele ficou tão furioso quanto o mar. "Ordenei" ao mestre que fizéssemos meia volta e foi feita a manobra nas velas. Pegamos vento de través e correntes fortes, o que nos obrigou a exigir ao máximo as habilidades do comandante em lidar com o ajuste das velas no rumo da terra, aproveitado ao máximo o vento.
Depois de algum tempo avistamos terra para meu alívio, porém muitas milhas ainda teriam que ser navegadas. A flechinha em seu curso se mostrava um barquinho marinheiro, talvez pelo seu pequeno tamanho e manobralidade. Quando finalmente adentramos o porto pelo canal entre as perigosas formações rochosas da praia, uma sensação de reconforto me invadiu. Estávamos quase à segurança da terra. Desembarcamos e o equipamento de pesca também. O Vicente frustrado sempre reclamando da volta, e eu agradecendo a Deus por está à salvo. Agradeci aos pescadores, pagamos a viagem e seguimos para a pousada onde estávamos hospedados, pousada das Gaivotas, de propriedade de meu amigo Delano Maciel, gente muito boa. No outro dia fui a vila de pescadores e iniciei uma amizade com aquele povo humilde e prestativo, revi o mestre Chico Dé, que me acolheram com carinho e respeito. Nascia ali uma amizade que até hoje existe. A Baleia me adotou como filho e eu como minha praia do coração. As amizades só cresceram e tornei-me um frequentador assíduo daquele pedaço de paraíso pra mim. A partir dali, muitos filhos de pescadores que iam nascendo foram afilhados meus, de batismo, de crisma, uma coisa que me dava muito orgulho pela consideração que me tinham. Sou padrinho do filho do Chico Dé e de uma filha do finado Neuton, e de muitos outros. Assim passei a fazer parte de inúmeras tripulações de barcos à convite, bem maiores que a flechinha, que hoje sabendo quem era, jamais teria entrado naquela aventura, mas ela se mostrou guerreira. Hoje repousa numa marambaia próxima da costa em no fundo do mar. Às vezes passava de três dias e duas noites embarcado, pescando, e dividindo a parte que me cabia em terra com aquelas pessoas que tão bem me acolheram, um estranho da Capital, era o que minha consciência e vontade mandava fazer, e isso me fazia feliz e realizado comigo mesmo. Hoje depois de tantos anos, depois de tantas marés, continuo a alimentar meu sonho de navegador. Tenho uma pequena lancha de fibra a motor de 15 pés que vez por outra me aventuro no mar da Baleia e sou habilitado pela Marinha para isto, sou Arraes, prestes a realizar prova para Mestre Amador. Minha meta é morar e navegar a bordo de um pequeno veleiro pela Costa brasileira, explorar meu Ceará pelo mar e talvez adentrar o Amazonas quem sabe, que é muito lindo e surreal. Estou quase lá, planejamento é tudo, organização é essencial. Você precisa está pronto para qualquer coisa no mar, tem que resolver você mesmo, seja elétrica, mecânica, navegação, mastreação. Morar no mar é tudo de bom e imprevisível ao sabor da natureza, respeitando-a, é vida renovada, pra quem tem o mar correndo dentro das próprias veias!
Foi no ano de 1992, há exatos 29 anos passados que tive a minha primeira e real experiência com a navegação à vela no mar. Uma experiência que diria hoje, insana. Fui convidado por um amigo para irmos à praia da Baleia, no município de Itapipoca, distante 150 km da Capital. Aceitei de pronto e rumamos com a família dele e minha única irmã que estava em minha casa passando férias. Levamos nossos equipamentos de pesca e seguimos viagem. Ao chegarmos naquele paraíso primitivo, de gente boa e receptiva, meu amigo contratou um pescador para nos levarmos no sábado para pescarmos em alto mar, era mês de agosto, início das temporadas de ventos, que se estendia até meados de novembro e dezembro, quando se iniciava a estação chuvosa por aqui. No dia marcado, fomos pronto, tempo limpo, céu azul que doía nos olhos. Ao chegarmos no porto das canoas encontramos muitos pescadores sentados reunidos e proseando. A tripulação que nos levaria para o mar era comandada pelo finado mestre Zé Tibáu, que nos falou que não iria mais, pois o mar estava “branco” e não iria se arriscar. Olhei para o mar curioso e vi milhares de ovelhinhas brancas em toda costa, resultado dos fortes ventos nordeste que assolavam o Oceano Atlântico no meu Ceará. Meu amigo então esbravejou, reclamou, e finalmente falou o que não devia: -Nessa praia parece que não tem homem, bando de frouxos! Fiquei de certa forma aliviado com as explicações dos pescadores, era a voz da experiência falando, de velhos lobos do mar, com suas rugas e peles tostadas da labuta diária com o mar para tirar seus sustento. Tinham o meu respeito certamente. Foi aí que de repente uma voz surgiu ao meio deles e exclamou: -Eu vou!
Era o Chico Dé, jovem pescador, intrépido pela sua idade, e conforme desafiado por um cara que nem sequer era dali, sentiu que sua honra de homem do mar fora sacudida. Preferiu encarar o desafio. Outro também se ofereceu para ser o contramestre, o Neuton, falecido à pouco tempo. Pois bem, a embarcação utilizada seria a canoa Flecha, carinhosamente chamada de flechinha pelos pescadores. Até aí tudo bem, fomos à beira do mar e embarcamos com alguma dificuldade na flecha, pois as ondas de arrebentação estavam fortes, preamar. Um barco de aproximadamente quatro metros e pouco, que para mim, novidade, era normal igual as demais que estavam ancoradas no porto. Após levantarmos mastro e recolhermos o ferro nos pomos a seguir o rumo de proa. Logo no início percebi que seria uma jornada árdua para nós. A flechinha apanhava pela proa do mar nervoso, quase em fúria. Eu estava de pé ao pé do mastro olhando fixamente para a linha do horizonte, como uma estratégia de "não marear", ficar bêbado com o deslocamento das subidas e descidas nas ondas, é o que causa as nauseas até nos mais experientes navegadores, não devemos ter vergonha se isso acontecer. Navegamos por algumas horas e então afrouxamos as velas, ficaram panejando, livres ao vento, e o barco parou ao sabor do mar e das ondas. Iniciamos à pescaria e não fisgamos nada, nem ruía as iscas, ali não tinha peixes. O Vicente então falou, vamos mais pra dentro, aqui não tem nada, vamos pras 28. Isso significava 28 braças de profundidade, o que corresponde à 1,830 metros por braça. Seria loucura essa empreitada, uma vez que a distância para às 28 estava a umas 6 horas de viagem ou mais. Os pescadores nos olharam incrédulos diante daquele pedido. O mar batia no costado da pequena embarcação com força violenta e borrifava água em tudo e em todos, até mesmo na vela. Seguimos e o mar formava a nossa frente o que chamamos de swell, que são ondas gigantescas formadas pela pressão que à agua faz no fundo do oceano e levanta-se em paredões espetaculares de 4 a 8m aproximadamente. A pequena flechinha subia e na sua descida encontrava os “buracos de mar", que é um espaço em depressão entre duas ondas. A sensação era de que na queda o barco se despedaçaria e literalmente eu percebia que numa hora daquelas iria acontecer, com o fundo da canoa batendo contra a água violentamente, estremecendo toda sua estrutura. Aquilo seria demais pra ela, repetidos estresse sob suas tábuas pregadas com pregos galvanizados. Os pescadores sugeriram voltarmos à terra, o que foi de pronto contestado pelo meu amigo Vicente, quase irredutível. Nesse instante eu concordei com os pescadores e ele ficou tão furioso quanto o mar. "Ordenei" ao mestre que fizéssemos meia volta e foi feita a manobra nas velas. Pegamos vento de través e correntes fortes, o que nos obrigou a exigir ao máximo as habilidades do comandante em lidar com o ajuste das velas no rumo da terra, aproveitado ao máximo o vento.
Depois de algum tempo avistamos terra para meu alívio, porém muitas milhas ainda teriam que ser navegadas. A flechinha em seu curso se mostrava um barquinho marinheiro, talvez pelo seu pequeno tamanho e manobralidade. Quando finalmente adentramos o porto pelo canal entre as perigosas formações rochosas da praia, uma sensação de reconforto me invadiu. Estávamos quase à segurança da terra. Desembarcamos e o equipamento de pesca também. O Vicente frustrado sempre reclamando da volta, e eu agradecendo a Deus por está à salvo. Agradeci aos pescadores, pagamos a viagem e seguimos para a pousada onde estávamos hospedados, pousada das Gaivotas, de propriedade de meu amigo Delano Maciel, gente muito boa. No outro dia fui a vila de pescadores e iniciei uma amizade com aquele povo humilde e prestativo, revi o mestre Chico Dé, que me acolheram com carinho e respeito. Nascia ali uma amizade que até hoje existe. A Baleia me adotou como filho e eu como minha praia do coração. As amizades só cresceram e tornei-me um frequentador assíduo daquele pedaço de paraíso pra mim. A partir dali, muitos filhos de pescadores que iam nascendo foram afilhados meus, de batismo, de crisma, uma coisa que me dava muito orgulho pela consideração que me tinham. Sou padrinho do filho do Chico Dé e de uma filha do finado Neuton, e de muitos outros. Assim passei a fazer parte de inúmeras tripulações de barcos à convite, bem maiores que a flechinha, que hoje sabendo quem era, jamais teria entrado naquela aventura, mas ela se mostrou guerreira. Hoje repousa numa marambaia próxima da costa em no fundo do mar. Às vezes passava de três dias e duas noites embarcado, pescando, e dividindo a parte que me cabia em terra com aquelas pessoas que tão bem me acolheram, um estranho da Capital, era o que minha consciência e vontade mandava fazer, e isso me fazia feliz e realizado comigo mesmo. Hoje depois de tantos anos, depois de tantas marés, continuo a alimentar meu sonho de navegador. Tenho uma pequena lancha de fibra a motor de 15 pés que vez por outra me aventuro no mar da Baleia e sou habilitado pela Marinha para isto, sou Arraes, prestes a realizar prova para Mestre Amador. Minha meta é morar e navegar a bordo de um pequeno veleiro pela Costa brasileira, explorar meu Ceará pelo mar e talvez adentrar o Amazonas quem sabe, que é muito lindo e surreal. Estou quase lá, planejamento é tudo, organização é essencial. Você precisa está pronto para qualquer coisa no mar, tem que resolver você mesmo, seja elétrica, mecânica, navegação, mastreação. Morar no mar é tudo de bom e imprevisível ao sabor da natureza, respeitando-a, é vida renovada, pra quem tem o mar correndo dentro das próprias veias!