O PRIMEIRO VOO NA AMAZONIA NINGUÉM ESQUECE

O PRIMEIRO VOO NA AMAZONIA NINGUÉM ESQUECE

No período de 1982 a 1986 trabalhei em obras no Mato Grosso. Convidado pelo José Carlos Costa Marques Bumlai, que 30 anos depois seria protagonista de grandes escândalos políticos, fui admitido como gerente de obras hidrelétricas. Executaríamos quatro PCH´s(Pequenas Centrais Hidrelétricas) e uma UHE (usina hidro elétrica) em diversas regiões do estado: PCH Primavera, onde hoje fica a cidade de Primavera do Leste; PCH Juína, em Juína; PCH Braço Norte, em Colíder, hoje Guarantã do Norte; PCH Teles Pires e a UHE Salto do Apiacás, a 140 quilômetros acima de Alta Floresta. À exceção de Primavera, que ficava próximo a Rondonópolis, todas as outras obras situavam-se em plena Floresta Amazônica. A sede da empresa situava-se em Cuiabá, onde eu trabalhava e, semanalmente visitava as obras. Em cada uma delas havia uma estrutura técnica e administrativa, com engenheiros, técnicos e grandes efetivos de pessoal. Para supervisionar o trabalho a empresa disponibilizava um dos dois aviões lotados em Cuiabá: um Cessna monomotor modelo 182 e um Cessna bimotor modelo 310. Saíamos de Cuiabá às segundas feiras e retornávamos às quintas ou sextas feiras, conforme necessidades do trabalho. O aeroporto de Cuiabá na época já contava com boa infraestrutura com torres de controle que monitoravam os pousos e decolagens e organizavam o tráfego aéreo. Nas obras a situação era bem diferente. Em Apiacás a pista de pouso era um trecho alargado da estrada de acesso. Antes de pousar, tínhamos que executar um sobrevoo no canteiro de obras, avisando para alguém ir buscar-nos na pista e garantir a paralização do tráfego na estrada até o avião pousar. Em Guarantã, localidade próxima à PCH Braço Norte, só havia pista de pouso em Colíder, trinta quilômetros distante. Em Juína, a pista de pouso era na cidade, mas a obra ficava cem quilômetros mata adentro, em território dos índios da tribo cintas largas, na época classificados como antropófagos. Meu primeiro voo foi no Skylane 182, o piloto era um senhor às vésperas da aposentadoria, que usava um óculo fundo de garrafa, o sr. Magalhães. Esses pequenos aviões voam a uns 160 quilômetros por hora, não possuem piloto automático e radar, a única ligação com as pequenas pistas das cidades era feita através de um rádio precário que nem sempre funcionava bem, e o voo era todo operado visualmente. Ou seja, a responsabilidade é toda do piloto, daí a necessidade de que ele conheça muito bem a região. Os voos de aviões maiores eram pelo sistema VOR, (Very High Frequency Omnidirectional Range) é um equipamento eletrônico usado na navegação aérea. Desenvolvido nos Estados Unidos a partir de 1937 e implantado em 1946, o VOR é o sistema de navegação aérea padrão no mundo, usado pela aviação comercial e geral, os nossos voos eram no sistema VOR-Voo Olhando a Rodovia. O Salto do Rio Apiacás, local da minha obra, dista 990 km de Cuiabá, isso significa que a viagem demoraria umas seis horas se tudo corresse bem, sobrevoando a Floresta Amazônica. Hoje reconheço que foi uma experiência maravilhosa e inesquecível. A pessoa ouvir falar da Amazônia é uma coisa, passar várias horas voando em um aviãozinho monomotor muito barulhento olhando um imenso oceano de mata verde e o céu nem sempre azul, é outra. O piloto conhecia cada detalhe da região, os rios, as poucas áreas abertas, uma ou outra fazenda, as estradas de terra, etc. Resumindo, tudo depende do conhecimento do piloto. Passei a viagem inteira observando a floresta, os rios, as pequenas cidades, e os pássaros que voavam bem abaixo do nosso avião. Após quatro horas de voo, seu Magalhães avisou que a cidade próxima seria Alta Floresta e mais uma hora chegaríamos à obra. Explicou que havíamos pego vento de calda, o que aumenta a velocidade do voo, daí o menor tempo de viagem. Como avisado, chegamos à região da obra, sobrevoamos o acampamento composto de umas barracas de lona preta e um barracão de madeira. Luís Roberto Menin, também engenheiro da empresa, estava há dias na local, me aguardava. Ao descer do avião e pisar no solo senti uma grande satisfação por, pela primeira vez, entrar em contato direto com maior floresta do mundo. Olhei em volta e o que mais impressionou-me foi a altura das árvores, praticamente todas erguiam-se a trinta metros ou mais, exceção feita às castanheiras que passavam dos quarenta metros (equivalente a 13 andares). Chegamos ao acampamento, conversamos sobre os trabalhos que seriam executados e após uma refeição de feijão com arroz e carne-seca frita, acompanhados de uma salada de tomate e cebola fomos dormir. Havia começado uma fase da minha vida de um aprendizado rico em grandes experiências.

Paulo Miorim 29/05/2020

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 29/05/2020
Reeditado em 26/09/2021
Código do texto: T6962038
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