O eco ressonante da caverna interior

A solidão entrava em todos os cômodos da casa e dançava, fazendo festa, para comemorar a escolha de Beatriz de estar só, de largar todos a sua volta para tentar se redescobrir. Ela encarava aquele monstro com uma força que parecia ser um fio que puxava seu corpo, a fazendo flutuar em suas ações. Era como se a alma não estivesse mais ali, mas apenas o compacto material que a constituía. De tantas apostas em incertezas, de se agarrar a verdades levianas, de acreditar em promessas que nunca poderiam ser cumpridas, ela decidira lançar mão de toda e qualquer presença que a pudesse oferecer mais ilusão. Estava completadamente só, nem ao menos com sua própria companhia. Ela não sabia até quando aquilo iria durar, mas se sentia oca por dentro, como se seu interior fosse uma caverna. Ela gritava para dentro de si e ouvia o eco de sua própria voz ressonando entre suas paredes. Esse som se dava em forma de lembranças, dos últimos acontecimentos que a levavam aquele estágio de auto abandono. Eram falas dela mesma e respostas de outras pessoas que partiram por opção. Os diálogos só aconteciam na mente dela, que sentia a dor da solidão mas sabia que precisava daquilo para se reerguer de todas as expectativas que criara na sua mente.

Analisando seu comportamento nos últimos meses, depois que a euforia de sair de um relacionamento longo passou, o eco da sua caverna interior lhe dizia muito. Mostrava a pressa em viver, em se expressar e em ser ela mesma de novo, como uma criança que ganha um presente e quer brincar com ele imediatamente. O desejo é tão grande que ela nem tem medo de quebrar o brinquedo. Aperta todos os botões, escuta os sons, sente as texturas e o cheiro de plástico novo. O mundo dela passa a se resumir àquelas sensações. Devora a experiência com a gana ansiosa de descobrir tudo sobre aquilo. Ao brincar da segunda vez, ela já sabe como tudo funciona. Na terceira vez, já deixa algumas opções que não gostou tanto de lado. Na quarta já se torna banalidade. Na quinta, ela brinca, mas já pedindo por algo novo. Na sexta vez, o tédio faz encontrar formas novas de brincar.

Chegava ao entendimento de que tudo é uma experiência. Tudo que passa na linha do tempo da existência vem com algum tipo bônus anexado, que só pode ser aberto quando o fato acaba. Só então, depois do tempo passar o acontecimento pode ser assimilado e entendido com todas as suas particularidades. A dor fazia parte desse processo e a solidão era a ferramenta necessária para desbravar aquela selva escura, de musgos escorregadios no chão, de aranhas gigantes tecendo teias entre os troncos das árvores pobres que ameaçavam cair sobre sua cabeça a qualquer momento. Havia uma soleira, quase imperceptível, no final daquela mata, era o que guiava a força de Beatriz para passar por todos os obstáculos. A luz pouco vista era a consciência que ela tinha de que tudo isso passaria e serviria de aprendizado.

Stephany Eloy
Enviado por Stephany Eloy em 29/05/2020
Reeditado em 29/05/2020
Código do texto: T6961564
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