UM EXÉRCITO DE FRIO
Existe uma coisa no firmamento que aguça as imaginações mais infantis, os devaneios mais ousados e as fantasias mais engraçadas na cachola de muita gente. As nuvens, como flocos de algodão dispersos pela imensidão, fazem da ciranda diária do céu um longa-metragem com os personagens mais variados. Eu mesmo já assisti, durante boa parte da infância, da juventude e agora homem-feito com fiapos brancos no crânio, a diversos filmes, de vários gêneros, apenas observando os movimentos aleatórios daqueles atores. Nem Netflix e Amazon Prime, por exemplo, possuem um acervo tão diverso como o céu.
Lembrei por agora de uma cena romântica (cheguei um pouco tarde à essa sessão do cinema ao ar livre) se detalhando no horizonte de início de crepúsculo. Era a silhueta de um casal, um homem moreno de cabelo meio grisalho e uma moça ruiva de mexas douradas, encerrando o dia em grande estilo a um ósculo molhado de chuva. Pela noite também é possível se deliciar com a façanha dos personagens, geralmente na forma teatral, onde as nuvens parecem brincar de esconce-esconde com outros astros celestes. Além disso tudo, esses flocos de algodão quando se juntam nos altos das montanhas, levam o mar para as altitudes dos pontos culminantes do país com suas vagas mansas sacolejando pela ação da brisa. Realmente é uma magia de encantos que só as nuvens proporcionam.
Mas hoje no início da manhã, escorado sobre o parapeito da varanda do meu apartamento, mirei nas nuvens ao horizonte. Apesar de amorfas a meu ver, ainda era possível perceber naquela avalanche densa, mas de camada fina, um longa que resolvi nomear de “Um Exército de Frio”. Como soldados de filmes épicos aquela branquidão quase infinita avançava pelo firmamento, de forma lenta e pacífica. As vezes encontrava alguns aliados ao meio do caminho que se fundiam à bravura daquela tropa, ganhavam a força necessária para triunfar sobre o “inimigo”. Chegaram avassaladoras sobre a cidade, onde cada combatente começou a se dissipar numa fraca neblina, baixando uma friagem gostosa para ficar debaixo das cobertas. Eu, descuidado, tratei logo de apanhar uma blusa de frio bem grossa para proteger meu corpo daquela brincadeira atrevida. Meu tecido adiposo não estava dando conta do recado.
Voltei ao notebook e, parece que mesmo na inexistência de algum personagem conhecido ou uma forma clara e perceptível, as nuvens não param de inventar, mediante seu vasto universo criativo, cenas cinematrográficas. Vou descrevê-las nas páginas em branco de algodão todas as suas atuações.