não leia (inicio de um livro?)

Havia algo errado, o que estava acontecendo? Eu estava numa escuridão sem fim, não havia direita ou esquerda, cima ou baixo. Não havia nada além do eco dos meus próprios pensamentos.

Decido dar um passo a frente, ouço o som que meus sapatos fazem ao dar esse passo, ele é audível e claro, e some lentamente nessa escuridão que me cerca. Ergo minha própria mão a frente do meu rosto, a encaro, estou sonhando outra vez? Havia muito tempo que não acontecia, o que o destinho estava guardando em sua caixinha de surpresas dessa vez?

Por mais que não fosse a primeira vez, eu não estava acostumada com esses eventos, mas aprendi a me virar conforme as coisas aconteciam. Comecei a caminhar para a frente, pelo menos para o que eu julgava ser um caminho a minha frente. Conforme eu caminhava, os sons que pareciam ser apenas o eco daquilo que se passava na minha cabeça se tornaram sussurros independentes, pensamentos independentes, eu não estava mais sozinha. A cada novo passo, olhos brancos, azuis, verdes e vermelhos surgiam em alguns lugares, então um caminho de terra apareceu. Ele começava a frente dos meus pés e seguia adiante na escuridão, agora havia apenas eu, meu caminho e aqueles olhos diferentes que carregavam emoções diferentes.

Exito em dar o primeiro passo, recuso-me a focar apenas em onde aquele caminho pode me levar, afinal, existe algo escondido na escuridão que me observa, algo que contém um desejo que eu ainda não descobri qual é. Cada músculo do meu corpo está tenso, cada pelo dos meus braços eriçados, cada detalhe do meu corpo me diz para ter cuidado, para ficar atenta, cada parte existente de mim me diz que a morte pode estar mais perto do que imagino.

Não posso ficar parada esperando que o destino lance a sorte sobre mim e me faça perder o direito de escolher meu caminho, dou um passo a frente, estou sobre e estrada de terra.

De repente, um vento forte veio de trás do meu corpo, uma ventania sem explicação jogou meu cabelo para todos os lados, o fez balançar conforme desejava, com ele veio a areia que me fez fechar os olhos conforme aquele vento se levantava contra meu corpo. Protegi meu rosto colocando meus braços a frente dos meus olhos e minha boca, os fechei. Então tudo parou, de forma tão repentina quanto começou. Meu coração palpitava sem ritmo algum, ameaçava sair pela minha boca ou por qualquer outro buraco que ele percebesse ser capaz.

Abaixei os braços lentamente, o que me esperava? Abri os olhos mais lentamente ainda. A escuridão havia desaparecido, o ambiente que me cercava agora era outro, um vilarejo. Estava tranquilo de mais, onde foram parar aqueles olhos brilhantes? E que lugar é esse?

A forte ventania deu lugar a uma deliciosa brisa, a escuridão deu lugar a um lindo vale verde, havia uma pequena cabana a frente, era ali que a estrada de terra terminava: em frente a uma porta simples de madeira, com detalhes entalhados. Lembrava-me de histórias contadas de gerações a gerações, para que crianças agitadas se acalmassem para dormir. Em frente a cabana havia uma linda macieira, mas sem sinal de que as maçãs apareceriam em breve. Olhei para trás, apenas um véu quase imperceptível me fazia lembrar que aquilo tudo não era real, não tinha como ser.

Segui meu caminho e fui ate a cabana, meu coração ainda estava inquieto apesar da calmaria aparente. Bati três vezes, esperei. Sem resposta. O Sol no alto do céu me fazia imaginar porque uma cabana estaria vazia naquele horário. Decido bater de novo, mas assim que aproximo minha mão da porta de madeira noto algo inusitado. Sangue? Talvez eu esteja errada, mas meu corpo insiste que não.

Empurro lentamente ao invés de bater, vejo uma poça de sangue a minha frente, sou obrigada a pisar sobre ela ao entrar na casa, procuro pela fonte de todo aquele sangue. Sigo adiante, estou em uma sala simples, alguns poucos móveis, as paredes no interior da cabana são puramente feitas de madeira decorada por entalhos, desenhos que se misturam, se diferem, se aproximam e se distanciam, mas nada formam. O que tudo isso quer dizer? A sala é ocupada por um sofá de três lugares. No chão, além do sangue está um tapete feito com pele de urso, a cabeça do urso? pendurada na parede como algum tipo de troféu doentio. O tapete esconde um pouco do sangue com sua cor escura, mas a quantidade é abundante e está espalhado por grande parte de toda aquela sala.

Uma brisa sopra, toca meu rosto de leve e empurra a porta pela qual eu entrei, me assusto com o barulho e dou um pequeno gritinho, meu corpo todo está em alerta. Vou até a porta e tento abrir, sem sucesso. Meu corpo volta a ficar tenso, tento pensar antes de voltar a me mexer. Apesar de ser um vilarejo, essa foi a única casa que vi no vale, e a única árvore que vi foi a macieira em frente a casa. Mas esses detalhes faziam tanto sentido quanto os desenhos nas paredes que me rodeavam. Sigo adiante, preciso sair dali, preciso dar um fim a tudo isso antes que as coisas se compliquem.

Volto a ideia inicial, descobrir a fonte de todo aquele sangue espalhado pela sala. Noto, então, um pequeno rastro, se o corpo não está ali é obvio que quem quer que tenha feito tudo aquilo o levou pra algum lugar, não precisava pensar muito para notar isso mas, tudo aquilo fazia meu corpo se tornar difícil de controlar e meus pensamentos difíceis de entender.

Dou passos leves rumo ao rastro, meu coração bate cada vez mais forte até que as batidas tomam conta dos meus pensamentos, paro abruptamente. Aquilo não pode estar acontecendo. Vejo a minha frente uma criança aos pedaços, dilacerada, e a sua volta há lobos.

Três lobos, mas não comuns. Eram criaturas do dobro de tamanho de um animal daquela espécie, seus olhos eram brancos como a neve, sem pupila, sem brilho, sem emoção. Apenas o instinto de devorar o que caçaram. Aquela visão me congela, não consigo me mover, não consigo pensar, apenas observar aterrorizada aquele desfecho acontecendo a minha frente. Um dos lobos para e olha para mim, é como se soubesse que eu estaria ali mais cedo ou mais tarde. Seus olhos vazios me acertam como se fossem capaz de tocar minha alma, sinto um arrepio na espinha. O primeiro lobo para de comer e continua me observando, ate que rosna e mostra seus dentes quebradiços para mim. Da um passo em minha direção. Não consigo me mexer, o que está acontecendo? Seus dentes a mostra, rosna mais alto. Outro passo. O segundo lobo volta sua atenção para mim e acompanha o primeiro, esse tem uma cicatriz em sua pata esquerda e é cego em um dos olhos, provavelmente arrancado a anos atrás. Tento me mexer, sair dali, sem sucesso. Os dois lobos mostram seus dentes, ameaçam pular em meu pescoço e acabar com tudo ali mesmo, o terceiro lobo apenas observa e espera sua vez de se juntar aos outros, parece ser o mais jovem dali. Dão mais um passo em minha direção, o Lobo Cego está um passo atrás do primeiro e ao seu lado esquerdo, ele rosna e o lobo mais jovem se junta a eles, formam um trio, todos com a atenção voltada para mim. Param de rosnar. "ISSO SERÁ CULPA SUA" Ouço alto e claro, mas em minha mente, "ISSO TUDO, FICARÁ SOBRE SEUS OMBROS".

Então a ventania que me levou até aquele lugar retorna, sopra forte contra o meu corpo e rodeia os Lobos, folhas e galhos são guiados pelo vento, mas nunca deixados para trás. De repente os lobos começam a se juntar, se misturar, se tornarem apenas um.

Seu tamanho cresce, sua cabeça, que se tornaram três, tocam o teto da cabana, suas garras ficam a mostra, suas cicatrizes mais aparente. "SUA CULPA!!" Uma voz estridente grita em minha cabeça e o grande lobo pula em minha direção para me matar, fecho meus olhos por impulso, meu corpo ainda congelado, é a única coisa que sou capaz de fazer. Tudo para, o som, a voz, o vento, tudo.

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Acordo aos gritos e me debatendo na cama. Ravi vem correndo até mim, abre a porta sem pestanejar e invade o quarto.

-O que houve?- Ele para ao lado da minha cama e se senta na beirada. -Está tudo bem, acredito que tenha sido mais um pesadelo, estou certo?

Demoro a me recompor, Ravi ter invadido meu quarto me deu um susto, o que me fez parar com toda a gritaria e pensar. Estava de volta ao meu quarto, estava sobre a minha cama, acabou, finalmente.

-Ehloá? Está tudo bem?- Ravi repousa seu olhar preocupado sobre mim, atento a mim e esperando uma resposta.

-Estou... -O encaro, Ravi é um rapaz bonito, tem lindos olhos castanhos que me dão a impressão de serem capazes de ler a sua alma e descobrir o que realmente está sentindo. -Juro que estou, só continuo um pouco assustada... tive um daqueles sonhos...

Ele continua a me olhar, pensando no que dizer, preocupado. Desvio meus olhos dos dele, preciso ter certeza que está tudo bem. Olho para minha cama. Uma cama simples, de solteiro, lençóis surrados e um pouco antigos cobrem o colchão, duas cobertas finas estão sobre o meu corpo e meu travesseiro está com uma fronha branca, que agora está marcada pelo suor que deixei ali enquanto sonhava.

-Fazia tanto tempo... -Digo lamentando.

-Sim. Fazia. -Ele se levanta - Bom, vamos aproveitar que acordou cedo e tomar nosso café da manhã. Hoje não vou morrer de fome pelo jeito. -Diz com ar zombeteiro.

-Ei! Não acordo tão tarde assim e você não come porque não quer! -Protesto.

-Vamos, se apresse e venha comer. - Mal terminou de falar e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si. Hora de me levantar e lavar meu rosto, por mais que ele não tenha me perguntado sobre o sonho, sei que ele vai.

Ravi e eu nos conhecemos ainda crianças, ele fugia do seu vilarejo quando meus pais o encontraram em nossas terras, nos contou que tudo estava em chamas e que havia perdido todos que amava, então cuidamos dele e, hoje, ele cuida de nós. Ele me conhece muito bem e eu o conheço também, não precisamos falar muito para saber o que esperar adiante, entendemos como o outro pensa e funciona. Me levanto da cama e vou até o banheiro, o que eu preciso mesmo é de um bom e relaxante banho antes da conversa que está por vir.

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Se tiverem gostado, comentem para que eu saiba, esse é só o inicio e ainda não defini um nome para a obra. Primeiro capítulo encerrado, se gostarem eu trago mais. Desde já: Meus mais sinceros "muito obrigada"

Raposa da Neve
Enviado por Raposa da Neve em 29/05/2020
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