Caderno de Rascunho

Um dia desses eu estava sem sono. Já tinha ido dormir tarde, na verdade, embora soubesse bem que teria que trabalhar no dia seguinte.

Na inquietude de quem fica se revirando na cama, lembrei-me de um conselho do meu psicólogo: "Se você não consegue dormir, não fique na cama. Isso só aumenta a ansiedade e atrapalha o sono".

Levantei. Fui arranjar o que fazer até o sono chegar. Nesse momento vi sobre a bancada da sala um velho caderno de rascunhos.

Na primeira folha, local e data: Garanhuns, 2019. Um bom ano, em comparação a seu sucessor.

As primeiras páginas traziam um texto sobre Lula e Flávio Bolsonaro. O ex-presidente fora novamente condenado enquanto o senador movia céus e terra para obstruir investigações sobre seu laranja Queiroz. Meses depois seria solto, já Queiroz até hoje não sabemos onde está.

O rascunho continuava com uma coleção de ideias para meu futuro profissional - muitas já descartadas - além de alguns orçamentos para adquirir a moto dos sonhos.

"Certamente eu dormiria melhor se tivesse aquela Kawasaki Vulcan", pensei, mais para atrair o sono do que a moto - ainda impossível.

Depois dessas, outras páginas tinham anotações sobre day trade, ocupação pela qual já pensei me aventurar.

Jesus! Se a moto era um sonho o day trade era um pesadelo. Bem me lembrava do dinheiro perdido - em grandes quantidades - mais rapidamente do que se fosse jogado ao fogo. Fugi daquelas folhas rapidamente.

O caderno prosseguia com anotações do trabalho. Cursos de qualificação realizados numa época em que o trabalho ainda era garantido.

Nossa... que páginas enfadonhas! Que trabalho tedioso! Que cursos inúteis! Tempo investido que não volta e, com certeza, fazia-me muita falta.

Após tanto folhear abriu-se um horizonte de páginas em branco. Prontas para algo novo, algo diferente! Algo empolgante! Tão empolgante quanto eu imaginava ser a Kawasaki Vulcan.

Mas naquele dia eu só queria dormir e o sono havia, enfim, chegado.