Meu Pássaro Verde
Meu Pássaro Verde, era assim que eu chamava meu fusquinha 69, não era novo, também não era tão velho, eu já conhecia todos os seus defeitos e manhas, ele se acostumara com todas as minhas loucuras, eu ganhava nele corpo gigante e veloz, ele tinha em mim complemento de inteligência, raciocínio, conhecimento e reflexos, com esses elementos conjugados, a cidade parecia pequena, principalmente quando resolvíamos alimentar a quilometragem. Se fosse aqui numerar os pegas na avenida suburbana, as fugas do incompreensível carro do Detran, as paradas por falta de combustível no meio das ruas engarrafadas de nossa cidade, não haveria espaço que coubesse.
Acordara tarde, já passava das 10 horas e muitos minutos, para mim era alvorada, levantei-me com toda disposição de quem tem nada a fazer, que planeja descansar, depois de um rápido desjejum resolvi dar um banho no meu velho amigo. Banho tomado, tanque cheio, estômago farto, era início de uma farra memorável.
A noite está na sua primeira metade do tempo, quando eu estou na última parte do meu dinheiro, cara cheia, bolso limpo, tive a ideia de visitar Alagoinhas, porém desconhecia eu a alegria que sofria o meu companheiro de folguedos. Túneis e postes lhe abalaram a sua estrutura. Cruzamos o vale como uma flecha, alguém taxou-me de louco, entrei no túnel, o bichinho tremeu, pisei mais forte no acelerador tentando encorajá-lo, sua reação veio de imediato... atravessamos aquela caverna dos horrores como um bólide, surgiu a primeira curva, seus pneus cantaram uma canção de suspense e perigo, as imagens dançavam em minha mente confusa, perdi o controle, um carrinho de sorvete apareceu e o poste logo em seguida.
Era tarde demais para tão pouco tempo, meus reflexos falharam, o choque brusco, parada imediata, porta aberta, vidros quebrados, dores teimosas no tornozelo, curiosos em volta, comentários diversos e acusações... apagaram-se as luzes.
Medicamentos, enfermeiras bonitas, outras carrancudas, médicos, parentes, críticos e conselheiros e a noiva. Aquele ambiente me transformara num pensador, abandonaria o amigo tão caro? Não mais nos veríamos juntos? O tempo passou, eu manquei até desinchar o tornozelo e ele apanhou até desempenar.
Fui visitá-lo, lá chegando foi tamanha a emoção. Lá estava ele, mais verde do que nunca, jamais vira sua chaparia assim, seus limpadores de para-brisas se moveram num gesto amigo e aflito. Felizes, meus olhos escaparam duas lágrimas indiscretas. A luz dos faróis foi ofuscada por gotas de óleo que começaram a escorrer. Meu coração descompassou... seu motor disparou, as portas se abriram e num abraço que envolveu todo o corpo, entre gargalhadas e buzinas estridentes, fizemos um juramento mudo... partiríamos para novas aventuras