O FIM DA INOCÊNCIA
... Olho-as! E elas parecem me dizer: -“Vamos! Embarque-se em nós para encetarmos mais uma saudosa viagem!”
O irresistível convite é – de imediato – aceito de bom grado. As Asas das Minhas Elucubrações, ao formularam-me o convite, o fizeram por conhecer-me o bastante, a tal ponto de entender o quão saudoso estou. E as saudades eram oriundas de uma inocência perdida. Hoje, chego – não sei se a tanto – ao óbvio entendimento que, grande parte da violência reinante está na perda, muito cedo, da inocência de nossas crianças.
Coloco as Asas das Minhas Elucubrações, enceto a saudosa viagem ao passado de minha infância perdida, encrustada nos anais da história. Chego e encontro os amigos de sempre, prontos para os nossos inocentes folguedos de crianças. Éramos – como os nossos brinquedos e brincadeiras – criativos e inocentes. Acreditávamos em tudo que os mais velhos diziam. Se um avião passasse rasgando os ares, lá estávamos saltitando e gritando:
-“Avião, traz um nenê para mim!” E, ainda, com os olhares rútilos e fixos no horizonte que as encostas das montanhas delimitavam, ficávamos a observar a rota do avião. Ato seguinte – aos percebermos o exato ‘ponto de sumiço do avião’ – para lá, aflitos, nos dirigíamos para vermos onde o avião deixara o nosso bebezinho. Isso demonstra o ápice de nossa inocência. Acreditávamos que os nenês eram trazidos pelos aviões, ou mesmo gerados em um pé de alface ou, talvez, couve – sei lá. É cabível uma pergunta: Pode isso? Para as nossas inocentes mentes, sim – podia! Tudo era válido.
Também, eram inocentes os brinquedos produzidos por nossa criatividade. As velhas e imprestáveis latas não eram descartadas em lixões. Eram transformadas em instrumentos musicais, usados nos nossos ‘desfiles militares’. Com insofismável garbo, os nossos desfiles, em nada, vale dizer, deixavam a desejar. Éramos, no nosso pensar, mais garbosos que os exércitos das repúblicas de países de regimes ditatoriais, onde os “militares racham o solo” com o seu imponente marchar. O povo – carente de recursos para a diversão – nos aplaudiam de pé como quem aplaude a um 3º Ato de Rigoletto.
As latas menores eram transformadas em telefones (E funcionavam – creiam!) usados nas nossas comunicações. Jogávamos peladas nas ruas, bem como, bolinhas de gude. Os rápidos carrinhos de rolimãs – feitos com velhos rolamentos que ganhávamos nas oficinas mecânicas – eram eles, uns dos nossos brinquedos favoritos. Aos gritos, acenos e sorrisos, descíamos as íngremes ladeiras em desabaladas, tontas e louquíssimas – hoje sei – corridas. Havia quedas? Havia sim! Braços, pernas e peitorais ralados? Havia, sim! Mas, creia, isso era o que menos importava. As alegrias das inocentes brincadeiras só traziam preocupações às nossas zelosas mães. As nossas gargalhadas sofreavam as preocupações delas. Relembro-as dizendo: - “Estes encapetados meninos não têm juízo algum!”
Soltávamos papagaios (ou pipa de varetas, como são conhecidos em algumas regiões do Brasil); nadávamos em rios sujos – já, infelizmente diga-se – poluídos, vítimas que foram de ação predatória do homem. Brincávamos de “passar o anel”; de fotógrafos que tinham, como “máquinas fotográficas”, a embalagem de uma caixa de esparadrapo. Explico como “funcionava” o brinquedo: O invólucro tem, internamente, um eixo onde o esparadrapo era e – ainda é enrolado. Então, abríamos a caixa – geralmente, redonda – colocávamos em uma posição do clique e, pronto. Na prática, não funcionava. Na nossa imaginação – é óbvio e claro que sim! E esta certeza era proporcionada pelo som do clique que produzíamos ao fechar a máquina (Ops!) caixa de esparadrapo. E as bolinhas de sabão? Nossa... como era gostosa a brincadeira de se fazer “bolinhas de sabão” – um brinquedo simples e encantador que nos extasiava.
As meninas brincavam com bonecas, já se preparando para cuidarem dos futuros rebentos. Brincavam de amarelinha, bem como de fazer comidinhas, para suas “esfomeadas bonecas”. Brincavam de cantigas de roda – inocentes brinquedos! Brincavam, também, de costureiras e de hábeis professoras dando aulas para as suas bonecas/alunas!
O tempo, inexorável tempo, passa célere. Elas, as Asas das Minhas Elucubrações, olham-me de soslaio e ordenam-me: – Vamos, temos que ir embora! Mesmo contra a minha vontade – retorno! Despeço-me dos grandes, fiéis e inesquecíveis amigos.
É um triste retorno a um presente no qual constato a morte da inocência. E a morte da inocência levou de roldão ao suicídio – ou assassinato – dos inocentes brinquedos de então.
As peladas nas ruas – e nem as ruas para as peladas – não há mais! As ruas – com a morte da inocência – estão infestadas de violência. As latas velhas, nossos instrumentos musicais – não há mais! As “latas” são, hoje, embalagens plásticas a poluírem o, já degradado, meio ambiente. O telefone de latinhas? Foram substituídos pelos – hoje, cada vez mais – caros e modernos celulares. Não há mais as coloridas pipas de varetas – há drones cortando os ares! Máquinas fotográficas feitas com velhas embalagens de esparadrapo e que, graças às nossas inocentes imaginações, “funcionavam” – não há mais! Os inocentes carrinhos de rolimãs – não há mais – são, hoje, os skats! A inocente correria em busca do local onde o avião havia deixado o nosso nenê – não há mais. As bolinhas de gude, não há mais! Nada mais há, nem mesmo as mágicas e nostálgicas “bolinhas de sabão” – encanto da garotada!
E o fim da inocência fez gerar a pior de todas as mortes: A da inocente forma de geração de uma criança. Hoje – infelizmente, diga-se – as meninas não mais brincam de passar o anel; pular amarelinha; fazer comidinhas para bonecas, de costureiras e de hábeis professoras dando aulas para as suas bonecas/alunas! Algumas – não todas claro está – não são mais inocentes meninas. Não são, mais, crianças. São adultas e adúlteras que já estão “brincando com os próprios filhos” por terem ‘perdido a sua inocência muito cedo. Não tiveram tempo de brincar com as bonecas – mesmo porque, bonecas, para elas não houve, não há! Agora, não “brincam” – estão ocupadas, cuidando dos filhos. Elas foram frutas, colhidas ainda verdes, sem, contudo, estarem amadurecidas para a vida.
As nossas crianças se transformaram em escravas de uma exacerbada e louca tecnologia. São hábeis com os dedinhos, contudo, deixam a desejar por não terem a criatividade bastante para criar os seus próprios e saudáveis brinquedos.
É esta louca tecnologia escravagista que está assassinando a inocência das crianças, fazendo, com isso, recrudescer uma, já, exacerbada violência!
Prostro-me a imaginar que sou; que você é; que cada um de nós é José – sim, aquele José do poeta Drummond.
E, parodiando o poeta e mestre Drummond, ouso perguntar:
-E agora, José? E agora o Eu, José? E agora, o Você José? E agora, o Nós José? E agora? E agora?
Tomara que “a festa não tenha se acabado”; que a luz não tenha se apagado; que o povo não tenha sumido; que a noite não tenha se esfriado!” Que não “sejamos sem nome; que não zombemos dos outros”. Mas, e acima de tudo, que possamos “fazer versos como quem ama... como quem protesta”. Que, “mesmo estando sem mulher”, possamos fazer um discurso contra o assassinato da inocência. Mesmo que a tecnologia queira calá-lo, José, ao lhe deixar sem carinho, impedindo-o de beber, de fumar – não desista, José! Mesmo que não possa cuspir – grite! E, se o dia não veio; se o bonde não veio; se o riso não veio – lute José! E se não veio a utopia; se tudo acabar, não lamente. Se tudo fugir; se tudo mofar, não se prostre a lamentar. Use sua doce palavra, seu instante de febre que arde com o desejo de gritar: -Viva a inocência!
Sua gula não pode saciar-se ao ponto de pedir o seu jejum. Sua biblioteca – que é sua lavra de ouro; o seu terno de vidro; bem como a sua incoerência e o seu ódio devem recrudescer com o grito de ressuscitação da inocência que fora perdida. A chave que tens nas mãos será para abrir as portas – mesmo que não existam portas. Se quiseres morrer no mar, hás de ver que o mar secou. E, se quiseres vir para Minas, hás de ver que Minas não há mais! Se você gritasse, gemesse... se você fosse músico para tocar a valsa vienense; se você dormisse devido ao cansaço; se morresse? Não! Não morra José! Bem sei: Você é duro, José. Vejo-o sozinho no escuro qual bicho-do-mato (Quero estar contigo nessa luta.) sem teogonia; sem parede nua. Vejo que não tens onde encostar e nem mesmo o cavalo preto para que pudesse fugir a galope. Agora, deve-se dizer que você, José, é um forte, pois – mesmo sem saber para onde – você marcha, José! Marcha na luta pela ressurreição da inocência perdida!
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... Olho-as! E elas parecem me dizer: -“Vamos! Embarque-se em nós para encetarmos mais uma saudosa viagem!”
O irresistível convite é – de imediato – aceito de bom grado. As Asas das Minhas Elucubrações, ao formularam-me o convite, o fizeram por conhecer-me o bastante, a tal ponto de entender o quão saudoso estou. E as saudades eram oriundas de uma inocência perdida. Hoje, chego – não sei se a tanto – ao óbvio entendimento que, grande parte da violência reinante está na perda, muito cedo, da inocência de nossas crianças.
Coloco as Asas das Minhas Elucubrações, enceto a saudosa viagem ao passado de minha infância perdida, encrustada nos anais da história. Chego e encontro os amigos de sempre, prontos para os nossos inocentes folguedos de crianças. Éramos – como os nossos brinquedos e brincadeiras – criativos e inocentes. Acreditávamos em tudo que os mais velhos diziam. Se um avião passasse rasgando os ares, lá estávamos saltitando e gritando:
-“Avião, traz um nenê para mim!” E, ainda, com os olhares rútilos e fixos no horizonte que as encostas das montanhas delimitavam, ficávamos a observar a rota do avião. Ato seguinte – aos percebermos o exato ‘ponto de sumiço do avião’ – para lá, aflitos, nos dirigíamos para vermos onde o avião deixara o nosso bebezinho. Isso demonstra o ápice de nossa inocência. Acreditávamos que os nenês eram trazidos pelos aviões, ou mesmo gerados em um pé de alface ou, talvez, couve – sei lá. É cabível uma pergunta: Pode isso? Para as nossas inocentes mentes, sim – podia! Tudo era válido.
Também, eram inocentes os brinquedos produzidos por nossa criatividade. As velhas e imprestáveis latas não eram descartadas em lixões. Eram transformadas em instrumentos musicais, usados nos nossos ‘desfiles militares’. Com insofismável garbo, os nossos desfiles, em nada, vale dizer, deixavam a desejar. Éramos, no nosso pensar, mais garbosos que os exércitos das repúblicas de países de regimes ditatoriais, onde os “militares racham o solo” com o seu imponente marchar. O povo – carente de recursos para a diversão – nos aplaudiam de pé como quem aplaude a um 3º Ato de Rigoletto.
As latas menores eram transformadas em telefones (E funcionavam – creiam!) usados nas nossas comunicações. Jogávamos peladas nas ruas, bem como, bolinhas de gude. Os rápidos carrinhos de rolimãs – feitos com velhos rolamentos que ganhávamos nas oficinas mecânicas – eram eles, uns dos nossos brinquedos favoritos. Aos gritos, acenos e sorrisos, descíamos as íngremes ladeiras em desabaladas, tontas e louquíssimas – hoje sei – corridas. Havia quedas? Havia sim! Braços, pernas e peitorais ralados? Havia, sim! Mas, creia, isso era o que menos importava. As alegrias das inocentes brincadeiras só traziam preocupações às nossas zelosas mães. As nossas gargalhadas sofreavam as preocupações delas. Relembro-as dizendo: - “Estes encapetados meninos não têm juízo algum!”
Soltávamos papagaios (ou pipa de varetas, como são conhecidos em algumas regiões do Brasil); nadávamos em rios sujos – já, infelizmente diga-se – poluídos, vítimas que foram de ação predatória do homem. Brincávamos de “passar o anel”; de fotógrafos que tinham, como “máquinas fotográficas”, a embalagem de uma caixa de esparadrapo. Explico como “funcionava” o brinquedo: O invólucro tem, internamente, um eixo onde o esparadrapo era e – ainda é enrolado. Então, abríamos a caixa – geralmente, redonda – colocávamos em uma posição do clique e, pronto. Na prática, não funcionava. Na nossa imaginação – é óbvio e claro que sim! E esta certeza era proporcionada pelo som do clique que produzíamos ao fechar a máquina (Ops!) caixa de esparadrapo. E as bolinhas de sabão? Nossa... como era gostosa a brincadeira de se fazer “bolinhas de sabão” – um brinquedo simples e encantador que nos extasiava.
As meninas brincavam com bonecas, já se preparando para cuidarem dos futuros rebentos. Brincavam de amarelinha, bem como de fazer comidinhas, para suas “esfomeadas bonecas”. Brincavam de cantigas de roda – inocentes brinquedos! Brincavam, também, de costureiras e de hábeis professoras dando aulas para as suas bonecas/alunas!
O tempo, inexorável tempo, passa célere. Elas, as Asas das Minhas Elucubrações, olham-me de soslaio e ordenam-me: – Vamos, temos que ir embora! Mesmo contra a minha vontade – retorno! Despeço-me dos grandes, fiéis e inesquecíveis amigos.
É um triste retorno a um presente no qual constato a morte da inocência. E a morte da inocência levou de roldão ao suicídio – ou assassinato – dos inocentes brinquedos de então.
As peladas nas ruas – e nem as ruas para as peladas – não há mais! As ruas – com a morte da inocência – estão infestadas de violência. As latas velhas, nossos instrumentos musicais – não há mais! As “latas” são, hoje, embalagens plásticas a poluírem o, já degradado, meio ambiente. O telefone de latinhas? Foram substituídos pelos – hoje, cada vez mais – caros e modernos celulares. Não há mais as coloridas pipas de varetas – há drones cortando os ares! Máquinas fotográficas feitas com velhas embalagens de esparadrapo e que, graças às nossas inocentes imaginações, “funcionavam” – não há mais! Os inocentes carrinhos de rolimãs – não há mais – são, hoje, os skats! A inocente correria em busca do local onde o avião havia deixado o nosso nenê – não há mais. As bolinhas de gude, não há mais! Nada mais há, nem mesmo as mágicas e nostálgicas “bolinhas de sabão” – encanto da garotada!
E o fim da inocência fez gerar a pior de todas as mortes: A da inocente forma de geração de uma criança. Hoje – infelizmente, diga-se – as meninas não mais brincam de passar o anel; pular amarelinha; fazer comidinhas para bonecas, de costureiras e de hábeis professoras dando aulas para as suas bonecas/alunas! Algumas – não todas claro está – não são mais inocentes meninas. Não são, mais, crianças. São adultas e adúlteras que já estão “brincando com os próprios filhos” por terem ‘perdido a sua inocência muito cedo. Não tiveram tempo de brincar com as bonecas – mesmo porque, bonecas, para elas não houve, não há! Agora, não “brincam” – estão ocupadas, cuidando dos filhos. Elas foram frutas, colhidas ainda verdes, sem, contudo, estarem amadurecidas para a vida.
As nossas crianças se transformaram em escravas de uma exacerbada e louca tecnologia. São hábeis com os dedinhos, contudo, deixam a desejar por não terem a criatividade bastante para criar os seus próprios e saudáveis brinquedos.
É esta louca tecnologia escravagista que está assassinando a inocência das crianças, fazendo, com isso, recrudescer uma, já, exacerbada violência!
Prostro-me a imaginar que sou; que você é; que cada um de nós é José – sim, aquele José do poeta Drummond.
E, parodiando o poeta e mestre Drummond, ouso perguntar:
-E agora, José? E agora o Eu, José? E agora, o Você José? E agora, o Nós José? E agora? E agora?
Tomara que “a festa não tenha se acabado”; que a luz não tenha se apagado; que o povo não tenha sumido; que a noite não tenha se esfriado!” Que não “sejamos sem nome; que não zombemos dos outros”. Mas, e acima de tudo, que possamos “fazer versos como quem ama... como quem protesta”. Que, “mesmo estando sem mulher”, possamos fazer um discurso contra o assassinato da inocência. Mesmo que a tecnologia queira calá-lo, José, ao lhe deixar sem carinho, impedindo-o de beber, de fumar – não desista, José! Mesmo que não possa cuspir – grite! E, se o dia não veio; se o bonde não veio; se o riso não veio – lute José! E se não veio a utopia; se tudo acabar, não lamente. Se tudo fugir; se tudo mofar, não se prostre a lamentar. Use sua doce palavra, seu instante de febre que arde com o desejo de gritar: -Viva a inocência!
Sua gula não pode saciar-se ao ponto de pedir o seu jejum. Sua biblioteca – que é sua lavra de ouro; o seu terno de vidro; bem como a sua incoerência e o seu ódio devem recrudescer com o grito de ressuscitação da inocência que fora perdida. A chave que tens nas mãos será para abrir as portas – mesmo que não existam portas. Se quiseres morrer no mar, hás de ver que o mar secou. E, se quiseres vir para Minas, hás de ver que Minas não há mais! Se você gritasse, gemesse... se você fosse músico para tocar a valsa vienense; se você dormisse devido ao cansaço; se morresse? Não! Não morra José! Bem sei: Você é duro, José. Vejo-o sozinho no escuro qual bicho-do-mato (Quero estar contigo nessa luta.) sem teogonia; sem parede nua. Vejo que não tens onde encostar e nem mesmo o cavalo preto para que pudesse fugir a galope. Agora, deve-se dizer que você, José, é um forte, pois – mesmo sem saber para onde – você marcha, José! Marcha na luta pela ressurreição da inocência perdida!
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