CAFÉ PARIS / LITERATURA FLUMINENSE 2
UM NOVO CRUZ E SOUSA?
Nelson Marzullo Tangerini
No final da década de 1920, um poeta da Roda do Café Paris, se dizia, de troça, mais um poeta simbolista. Como era de costume entre “os parisienses”, envolvidos sempre em piadas, resolve usar a página de um jornal niteroiense para destilar sua verve humorística.
Em seus escritos, Nestor Tangerini escreveu que um certo poeta niteroiense, que se dizia um novo Cruz e Sousa, dava, todos os domingos, no vespertino O Estado, como nota de jornal, a publicação, para breve, do maior sucesso das letras fluminenses, e a, cada nota, com um novo “a propósito”.
Num domingo, esgotados os meios de falar de seus versos simbolistas e de sua sensacional publicação, anunciou que havia perdido, num bonde de Niterói, os originais de tão preciosa obra poética, e que gratificaria regiamente a quem o encontrasse.
Pelo que sabemos, este livro jamais foi encontrado, e virou piada na Cidade Sorriso.
Tangerini, publica, então, no jornal concorrente O Fluminense, em 19/07/1929, com o pseudônimo João da Ponte, o satírico soneto ESTAVA ESCRITO..., ironizando o provável novo poeta simbolista, que jamais saiu das sombras, chamando-o de Sousa Cruz.
Era comum, entre eles, fazerem sonetos satíricos para os próprios amigos da Roda. E Luiz Leitão e Tangerini eram craques em fazer muito bem trovas e sonetos piada. Muitos desses textos, que eram escritos em guardanapos ou em papéis de maços de cigarro, se perderam para sempre, varridos que foram pelas “vassouras iletradas”. Outros, porém, ficaram para sempre na memória da cidade.
Em seu livro humoradas..., Tangerini comenta em forma de soneto o tão comentado episódio do poeta pretendente a simbolista:
"ESTAVA ESCRITO...
'Certo poeta, que se julga
um segundo Cruz e Sousa,
anunciou haver perdido os
originais de seu livro de versos,
prometido para breve'.
(dos jornais)
Li, nos jornais, uma notícia triste...
Após ter produzido obra de truz,
os seus versos perdeu... (Ninguém resiste!)
o conhecido vate Souza Cruz...
Espremer a caixola de lemiste,
que lhe abriga as ideias contra a Luz,
e o prêmio, finalmente, esse consiste
em ver-se o poeta exposto aos urubus...
Coisa dura! Tão dura, que somente
quem na recebe é que de fato a sente
e sabe onde lhe dói, ó Prometeu!
Baldado esforço! A perda de tal fruto,
as nossas letras hão de estar de luto...
- Que tesouro de asneiras se perdeu!..."
Entre os intelectuais niteroienses, ainda ouvimos as histórias da esbórnia do famoso Café Paris, bem como das tiradas satíricas de Nestor Tangerini ou Lili Leitão, que, certo dia, rifou um Relógio público do centro de Niterói. O ganhador do relógio foi procurar o poeta e este lhe disse: “- Se você conseguir levar o Relógio da Rua Conceição, o relógio é seu”. Fica em nossa imaginação que a grana arrecadada na rifa tenha financiado a sua cachaça no legendário Café.
Outras histórias do poeta Luiz Leitão ainda circulam entre os literatos da Cidade Sorriso. Como o dia em que se espalhou pela antiga capital fluminense: a notícia de que Leitão havia morrido. Consternados e sensibilizados, os “parisienses” correram para sua casa, à Rua Riodades, bairro Riodades, no final da Alameda São Boaventura, onde o poeta esperava pelos amigos da Roda com um leitãozinho puruca e muita cachaça.
Certa vez, em Niterói, conversando com um senhor, que me disse que seu pai era amigo de Luiz Leitão, e que conhecera o poeta, fiquei sabendo mais uma mais, para o repertório do boêmio: Seu pai, por amizade, deu um lindo relógio suíço para o “parisiense”. Mais tarde, seu pai encontra o poeta na rua, sem o relógio. E lhe pergunta: “ – Lili, cadê o relógio que eu te dei?” Sem nenhum sentimento de culpa, Lili lhe responde: “- Vendi. Torrei na cachaça!” O amigo ficou indignado: “- Mas era um relógio caro, era suíço!” E Lili termina com ironia: “- Vendi. Relógio que atrasa não adianta”.
O repertório anedótico de Luiz Leitão e Nestor Tangerini não se esgota aqui. Daria inúmeras crônicas, para este memorialista que vos escreve.