CLOROQUINA X TUBAÍNA

Era um jogo de futebol entre evangélicos, de um lado os traficantes e do outro os milicianos. Antes do jogo iniciar o pastor anunciou a presença do excrementíssimo senhor presidente da república, que iria dar o coice inicial. Assim que chegou ao pátio do colégio de propriedade do irmão do pastor, alugado por duzentos mil reais que foi amealhado entre o rebanho, o excrementíssimo presidente fez sinal de arma com as mãos, mandou todo mundo calar a boca, tirou do bolso e começou a ler a bula da cloroquina. Terminada a liturgia, todos entoaram o hino nacional norte-americano e o de Israel, com as mãos levantadas em uma saudação hitleriana. O juiz do jogo, um general do porão, gritou para que todos fossem retirados da quadra para que o excrementíssimo pudesse dar o coice inicial.

Antes do início da partida o pastor pediu um minuto de silêncio pelos caminhoneiros, carteiros, bancários, enfermeiros, médicos e por toda a categoria patriota que foi para a rua, com a camisa da seleção, defender as cores azul, branca e vermelha, que são as cores da nossa pátria e que jamais será somente vermelha. Posicionado para o coice inicial, o excrementíssimo foi alertado de que não havia bola na quadra. Aproveitando o retardamento do jogo, o pastor abriu sua pasta e mostrou umas sementes de abobrinha que previnem e combatem o coronavírus. Logo uma fila foi organizada para comprar a semente, que custava quinhentos reais o lote. Percebendo o poder da fé, o excrementíssimo anunciou que, além da cloroquina, também tinha a tubaína, um refrigerante que era degustado nos porões pelos presos que bebiam com um funil enfiado na boca.

O estafeta do presidente, conhecido por negão, distribuiu panfletos com a foto de uma família branca, vestida de branco, com um cachorro branco na janela de um carro branco, dentro de uma casa branca, com os muros brancos com os dizeres: “Quem for de direita toma cloroquina, quem for de esquerda toma tubaína”. Após os rituais de fé, o pastor pediu que orassem pelos empresários que estão se sacrificando aos domingos exibindo seus carros importados, pelo direito de aglomerar seus empregados em trens e ônibus lotados. O excrementíssimo emocionado puxou um coro “cloroquina, cloroquina, cloroquina lá do SUS, eu sei que tu me curas, em nome de Jesus”.

Nesse momento, o pastor começou um culto improvisado e pediu que o rebanho doasse o dízimo sobre o auxílio emergencial, "sessentinha de cada um"- intimava. O excrementíssimo, vendo que uma equipe de televisão se aproximava, puxou a máscara que estava em suas meias e colocou no queixo. O general do porão se aproximou da equipe e disse que ali não era lugar de vagabundo, de esquerdopatas mimimi e maconheiro, que a presença deles ali não era bem vinda porque todos eram contra o marxismo cultural, ideologia de gênero, direitos humanos, Foro de São Paulo; Que ali os cidadãos de bem eram pela escola sem partido, excludente de ilicitude, pelos humanos direitos e não acreditavam em aquecimento global.

O excrementíssimo pediu que seu estafeta ligasse para um amigo na PF para saber se havia alguma operação em andamento. Em seguida enviou mensagem para o grupo de whatsapp da família para saber se tinha algum filho algemado. Um dos repórteres da equipe, percebendo um grupo de homens que conversava afastado daquele tumulto, se aproximou e perguntou o que eles estavam fazendo ali. Um dos homens disse que estavam ali para uma partida de futebol, mas que a bola havia desaparecido. Vocês são do grupo daquele pessoal ali? – indagou o repórter. Não, somos amadores – respondeu.

Como o jogo não começava, foi improvisada uma reunião ministerial de emergência. O ministro da educação foi logo mostrando a que veio e disse que odiava quando algum esquerdista tratava indígenas, negros e ciganos como se fossem povo. Para ele a cultura das minorias não deve ser preservada, ou é todo mundo branco europeu, ou pode ir embora. O ministro do meio ambiente foi bastante cauteloso, insinuou ao excrementíssimo que eles podiam aproveitar a pandemia, já que todo mundo está preocupado com a Covid para atravessar a boiada despercebida e aprovar leis que facilitem o desmatamento. O ministro da economia disse que o servidor público era inimigo e que tinham que colocar uma granada em seu bolso. Depois da exposição que os ministros fizeram sobre suas pastas, o excrementíssimo exaltou que em seu governo os pilares são a família, a pátria, o livre mercado e a liberdade de expressão, desde que todos estejam armados para que não venha um bosta de um prefeito ou governador e decrete quarentena para salvaguardar a sua vida. Disse que era muito fácil dar um golpe no Brasil porque todo mundo respeita as leis. Se você estiver armado, segundo o excrementíssimo, você não precisa respeitá-las, faça você mesmo a sua legislação. O repórter que estava por ali tentando não ser visto, não se conteve e perguntou: -

Presidente, isso não é guerra civil? O excrementíssimo ficou irritado e esbravejou que todos queriam as suas hemorroidas, que carregava uma enorme cruz pelo povo e que se todo cidadão de bem tivesse uma arma dentro de sua casa, não corria o risco de chegar um filho da puta e tentar implantar uma ditadura, tendo em vista que o serviço secreto do Partido Comunista Chinês está infiltrado no Brasil. O repórter fingiu que entendeu e saiu dali com a sensação de que a pauta daquela reunião era sobre coisas inexistentes, um universo paralelo onde um bando de doidos acreditam em invasão bolchevique, terraplanismo, legalização da pedofilia. Como o nível do linguajar era bastante baixo, com palavrões entre uma frase e outra, o pastor mandou chamar seus filhos e netos para que participassem daquela aula que, de tão vulgar, era coerente com os cultos e compatível com a vida das senhoras e senhores evangélicos da igreja, ele queria deixar esse legado para a sua família.

O general do porão cochichou alguma coisa no ouvido do excrementíssimo, que fez um sinal para o pastor, que fez um sinal para o estafeta e todos olharam para o portão do colégio. O presidente da Câmara vinha trazendo o pedido de impeachment coletivo para o conhecimento do excrementíssimo. Antes que pudesse apresentar o pedido, o pastor apareceu com a bola e o general do porão apitou para que os times se apresentassem no meio da quadra, mas foram informados de que eles tinham ido embora. Aproveitando o tumulto, o excrementíssimo saiu nos braços do rebanho e foi para o seu indefectível cercadinho, em frente ao Alvorada, vomitar uma quantidade enorme de blasfêmias contra a democracia, sendo aplaudido pelo idiotas e afins, protegido por alguns daqueles jogadores, da partida que não houve, que faziam a sua segurança.

Ricardo Mezavila
Enviado por Ricardo Mezavila em 23/05/2020
Reeditado em 23/05/2020
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