LIÇÕES DE GEOGRAFIA

Nelson Marzullo Tangerini

Escreveu Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo, autor naturalista, um soneto intitulado Velha Anedota, publicado no livro “Soneto e peças líricas”, da Editora Garnier, obra que foi prefaciada pelo Sr. Júlio de Freitas Jr.

Eis o soneto, também encontrado em algumas antologias:

“VELHA ANEDOTA

Tertuliano, frívolo peralta,

Que foi um paspalhão desde fedelho,

Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,

Tipo que, morto, não faria falta;

Lá um dia deixou de andar à malta,

E, indo à casa do pai, honrado velho,

A sós na sala, diante de um espelho,

À própria imagem disse em voz bem alta:

— Tertuliano, és um rapaz formoso!

És simpático, és rico, és talentoso!

Que mais no mundo se te faz preciso? —

Penetrando na sala, o pai sisudo,

Que por trás da cortina ouvira tudo,

Severamente respondeu: — Juízo. —“

Uma noite, à mesa do Café Paris, algum “parisiense” sugeriu a Nestor Tangerini que escrevesse, também, um soneto com o mesmo título do de Artur Azevedo, “e foi isto o que saiu”, escreveu o poeta:

“VELHA ANEDOTA

Seu Guedes dá lição de Geografia

ao caçula, na sala de jantar.

Mapa na frente, pelo qual se guia,

o velho está na China, a divagar...

No quarto à esquerda, a se despir, Luzia

acha que é linda e pensa em se casar.

- Quando é de noite aqui, lá é de dia,

diz o pai ao garoto. E a repisar:

- Quando nós nos deitamos, atenção,

os chineses levantam-se, Juquinha.

Do seu quarto, a pequena ouve a lição.

E, ocorrendo-lhe um chim para princês,

resmunga para o espelho, irritadinha:

- O diabo é quem se casa com chinês!”

Seu soneto fez tanto sucesso em Niterói, que foi, então, publicado no jornal O Fluminense, em 1927.

Hoje, seu soneto alimentaria, talvez, uma longa discussão sobre se a Terra é plana ou redonda, se é que esse gado enraivecido tem cultura literária para tal.

Segue, aqui, nesta crônica, um outro soneto seu, A Terra, que aborda o mesmo tema, publicado na página 13 da revista VIDA NOVA, Rio de Janeiro, DF, 1945, em pleno momento natalino:

“A TERRA

Alguém, nas priscas eras, figurou

a Terra qual se fora uma fritada;

a um queijo Anaximandro a comparou,

sendo a face inferior desabitada.

O velho povo hindu a imaginou

a tampa, em concha, de formosa empada;

e o sábio Tolomeu a consagrou

formidável tomate de salada.

Depois, como Apiano a concebera,

viu Colombo que a Terra era uma pêra.

Mas – que é laranja – dizem por aí.

Eu, porém, abafado em meus problemas,

nos quais aplico todos os sistemas,

acho que a Terra é um grande abacaxi!”

Os sonetos de Nestor Tangerini, aqui publicados, fazem parte do livro Humoradas, da Editora Autografia, Rio de Janeiro, RJ, 2016.

Referência sobre o tão importante movimento literário fluminense, o Café Paris e seus poetas, niteroienses, podem ser encontradas no livro Nestor Tangerini e o Café Paris, publicado pela Editora Nitpress, Niterói, RJ, 2010.