O DIA DO ABRAÇO




Em Irati, talvez tenha sido assim...

O dia começara a dar o ar da graça (meio sem graça,frio e carrancudo, nesta ocasião) e dona Magrita ,toda saltitante, já estava na cozinha de dona Gordita.
Afinal era tão somente uma cerquinha que as separava,de onde foram retiradas primeiramente 3 ripas, depois mais 4 ou 5 para "facilitar" o acesso de Gordita.
Gordita, esparramada à cabeceira da mesa, sorve seu desjejum extremamente ligth.
Pão, torresmo, requeijão cremoso, doce de abóbora, sobras da costelinha de porco da janta de ontem e uma panelinha amarelando um cheiroso piché de ovos.Além, é claro, do café com leite na bojuda xícara cor de rosa com o que Magrita a presenteara por ocasião do encerramento das novenas do último natal.
[ Gordita era a sua amiga secreta ! Ou amiga oculta ]
Antes que Gordita diga qualquer coisa,Magrita vai logo se antecipando:
-Nem me ofereça nada,que já tomei meu café antes das 6 da manhã. Sou magra mas não é de fome kkkkkkkkkk
Puxa por um saquinho de fumo picado - a capixuca - que carrega sempre no bolso do avental.
Dá uma lambida de ponta a ponta na palha aparada,enrola o palheirinho , abre a boca do fogão de lenha, acende a "perdição", e numa tragada funda , incensa a cozinha com o seu cheiroso "Arapiraca" legítimo !
Gordita perdida em devaneios, entrega-se agora aos prazeres do "piché de ovo".
Magrita espia na janela a cidade despertando sonolenta e preguiçosa.
Mais uma tragada e...Diz à que veio:
-Gordita ! Eu...Tava escutando rádio agora a pouco e ouvi o locutor dizendo que hoje é o dia do...do...do...
Abraço!!! muié ! kkkkkkkkkkk
Ato contínuo, atira-se no pescoço de Gordita, esta aperta-lhe entre a generosidade rechonchuda dos braços .
Os beijos tem odores de ovo , de cigarro e torresmo.
Agarradas, embalam-se, choram emocionadas e, de repente lá se vão ao chão com cadeira e tudo.
A panelinha de piché, o doce, o que ainda resta de café, os torresmos, caem feito confetes sobre os corpos abraçados.
Entre uma crise de risos, choro e tosse...Vão se recompondo.
Antes de sair, Magrita e Gordita entreolhando-se profundamente, feito um ato telepático,dizem ao mesmo tempo:
Que Deus abençoe essa nossa amizade "bagual", vizinha !
Um novo abraço, agora mais discreto e Magrita joga os cambitos pela fresta da cerca de ripas.
Gordita, esparramada na porta a segue com olhar quase maternal.
Já em casa, Magrita apanha uma vassoura e vai varrendo a calçada enquanto cantarola:
-Eu tava na peneira///Eu tava peneirando....
Do outro lado da cerrca Gordita complementa:
-Eu tava no namoro///Eu tava namorando...
Riem juntas .
A Transiratiense singra a rua das Amendoeiras,num onibus circular abarrotado de gente.
Silenciosa, a Santa espreita a cidade abraçada por um céu carrancudo.
E no dia do Abraço,segue o baile.