Primavera
É primavera. E não sinto mais vontade de escrever, não entendo bem o porquê. É como se ao despir-me das máscaras eu tenha me despido da minha imaginação criadora. Como se aquilo que estava plantado, tivesse virado apenas adubo – da melhor qualidade, mas adubo. Meu balanço guiado pelas mãos de anjos, que sopravam aquele ventinho em minhas pernas e ouviam meus segredos, hoje só balança dentro de mim, e olha que até já o havia esquecido, mas é sempre assim na primavera as lembranças voltam e percebo que há vida ao meu redor. Ainda que a graça da vida, pelo menos da minha vida, só esteja no abrir e fechar das flores, como o abre-fecha do meu coração. E agora ele está aberto tanto quanto os lírios e as violetas. Busco, ainda que sem esperança, uma explicação para as sombras das minhas memórias mais empoeiradas, mas a cada primavera em que busco só encontro uma melancolia vinda de uma música triste que ecoa no fundo da minha alma. Uma casa, um amigo de infância, a angustia do tempo passando, o sono corroendo meu cérebro; e o cansaço as minhas mãos. Como explicar o inexplicável e contrariar as leis da vida? Ou seria da gramática.