Este texto é complemento ao livro do Papai (Histórias de Jorge, o Batuta), em que muitos fatos deixaram de ser narrados para que a obra ficasse menor.
A PRIMEIRA CASA NA FAZENDA
Quando eu estava com cinco anos de idade, e por uma série de contingências, papai construiu a nossa primeira casa na fazenda, com as próprias mãos.
Antes disso, nós morávamos em uma casinha que já existia e que ele reformou, ao lado da sede da fazenda. Com a morte da Vovó Maria, em consequência do veneno da cobra cascavel antes que o socorro chegasse da cidade, tudo mudou. Mamãe, que estava grávida, foi passar uns tempos na casa do seu irmão Adib, em Pires do Rio, onde meu irmão Carlos nasceu. Ao retornar à fazenda comigo (3 anos) e o bebê, seus três irmãos mais velhos haviam destacado dois alqueires de terra três quilômetros distantes da sede para o papai morar com a sua família. Queriam fazer a divisão e tomar posse das terras. Papai, que havia construído, reformado e organizado a sede da fazenda para que a sogra tivesse um pouco mais de conforto, foi obrigado a começar tudo de novo em outro local. Mais tarde essa decisão acabou sendo objeto de desdobramentos inesperados, mas isto é assunto para outro relato. Contrariado, sentindo-se injustiçado, sem alternativa e sem querer se indispor com os cunhados, papai, que era muito corajoso e trabalhador, tomou aquilo como um desafio que iria vencer. Juntou seus amigos roceiros, cercou a nova fazendinha com arame farpado, “bateu” o matagal, arrancou tocos, delimitou as áreas de pastagem e de produção, abriu rego d’água e encanou água até o local onde viria a ser a nossa casa. Mamãe preparava as marmitas do almoço, que eram levadas até os trabalhadores, em bornais e amarradas com um pano para não esfriar. Papai só não gostava de comida fria, tudo o mais estava de bom tamanho. Almoçavam lá no campo, sentados nos tocos que cortavam. Nos dias de mutirão o café da manhã era às 5 horas na porta da cozinha, o almoço às 10 horas e o jantar às 15 horas, horário em que encerravam o expediente.
Eu tenho lembranças bem nítidas da construção da casa. Papai e os peões traziam as toras que iam servir de sustentação lá do mato, sempre que terminava o trabalho do dia. Essas se transformavam em vigas, vigotas, pilares. Papai descascava a madeira e passava um produto à base de querosene e cal nelas. Depois que estavam tratadas ele ia separando-as de acordo com a finalidade de uso.
Enquanto isto, ia preparando a fabricação dos tijolos. Recolhia em um carrinho de mão e amontoava uma grande quantidade de argila, depois fazia as formas de madeira, pregando as ripas até que elas transformavam em uma espécie de caixotinho sem tampa. Finalmente amassava bem parte da argila com as mãos. Eu não me lembro se ele misturava algum produto ali além de água e barro. É nessa fase que eu, com cinco anos de idade, entrava para ajudá-lo. Ele enformava e eu desenformava os tijolos. Depois ele ia colocando-os com cuidado ao sol para não se quebrarem. Eram irregulares, mas isso era o que podíamos ter para a obra.
Um dia, enquanto papai estava ocupado, eu resolvi abrir um coco de babaçu.
Peguei a enxó amoladíssima, segurei o coco com uma mão e, ao descer a enxó com a outra, o coco deslizou e eu parti meu dedo. Era sangue para todo lado. Mamãe ficou desesperada tentando estancar o sangue. Foi uma canseira e um sofrimento. Como não havia médicos nem hospitais, até hoje tenho a cicatriz daquele acidente. Aí tive que ficar afastada do trabalho por um longo período, sem direito aos Direitos da CLT.
Nossa casa ficou pronta com quatro cômodos: saleta onde ficava o rádio, uma mesinha e duas cadeiras; quarto, onde havia uma cama de casal, uma de solteiro (perpendicular) e um berço de palha pendurado por cordas, que eu balançava e cantava para meu irmão dormir. Havia também a despensa e a cozinha. De um lado da despensa, mamãe colocava os mantimentos e remédios, do outro lado havia duas bacias e um tonel com água. Era ali que tomávamos banho quente. Na cozinha havia um fogão de lenha padrão e uma mesa com 4 lugares. Papai fez umas prateleiras e mamãe guardava nossas roupas em baús de madeira. Um dos baús era o do seu enxoval de casamento, que existe até hoje.
Obrigada pela leitura. Aguardem o próximo relato.
Sandra Fayad Bsb
Bsb, 17/05/2020
https://www.sandrafayad.prosaeverso.net/
A PRIMEIRA CASA NA FAZENDA
Quando eu estava com cinco anos de idade, e por uma série de contingências, papai construiu a nossa primeira casa na fazenda, com as próprias mãos.
Antes disso, nós morávamos em uma casinha que já existia e que ele reformou, ao lado da sede da fazenda. Com a morte da Vovó Maria, em consequência do veneno da cobra cascavel antes que o socorro chegasse da cidade, tudo mudou. Mamãe, que estava grávida, foi passar uns tempos na casa do seu irmão Adib, em Pires do Rio, onde meu irmão Carlos nasceu. Ao retornar à fazenda comigo (3 anos) e o bebê, seus três irmãos mais velhos haviam destacado dois alqueires de terra três quilômetros distantes da sede para o papai morar com a sua família. Queriam fazer a divisão e tomar posse das terras. Papai, que havia construído, reformado e organizado a sede da fazenda para que a sogra tivesse um pouco mais de conforto, foi obrigado a começar tudo de novo em outro local. Mais tarde essa decisão acabou sendo objeto de desdobramentos inesperados, mas isto é assunto para outro relato. Contrariado, sentindo-se injustiçado, sem alternativa e sem querer se indispor com os cunhados, papai, que era muito corajoso e trabalhador, tomou aquilo como um desafio que iria vencer. Juntou seus amigos roceiros, cercou a nova fazendinha com arame farpado, “bateu” o matagal, arrancou tocos, delimitou as áreas de pastagem e de produção, abriu rego d’água e encanou água até o local onde viria a ser a nossa casa. Mamãe preparava as marmitas do almoço, que eram levadas até os trabalhadores, em bornais e amarradas com um pano para não esfriar. Papai só não gostava de comida fria, tudo o mais estava de bom tamanho. Almoçavam lá no campo, sentados nos tocos que cortavam. Nos dias de mutirão o café da manhã era às 5 horas na porta da cozinha, o almoço às 10 horas e o jantar às 15 horas, horário em que encerravam o expediente.
Eu tenho lembranças bem nítidas da construção da casa. Papai e os peões traziam as toras que iam servir de sustentação lá do mato, sempre que terminava o trabalho do dia. Essas se transformavam em vigas, vigotas, pilares. Papai descascava a madeira e passava um produto à base de querosene e cal nelas. Depois que estavam tratadas ele ia separando-as de acordo com a finalidade de uso.
Enquanto isto, ia preparando a fabricação dos tijolos. Recolhia em um carrinho de mão e amontoava uma grande quantidade de argila, depois fazia as formas de madeira, pregando as ripas até que elas transformavam em uma espécie de caixotinho sem tampa. Finalmente amassava bem parte da argila com as mãos. Eu não me lembro se ele misturava algum produto ali além de água e barro. É nessa fase que eu, com cinco anos de idade, entrava para ajudá-lo. Ele enformava e eu desenformava os tijolos. Depois ele ia colocando-os com cuidado ao sol para não se quebrarem. Eram irregulares, mas isso era o que podíamos ter para a obra.
Um dia, enquanto papai estava ocupado, eu resolvi abrir um coco de babaçu.
Peguei a enxó amoladíssima, segurei o coco com uma mão e, ao descer a enxó com a outra, o coco deslizou e eu parti meu dedo. Era sangue para todo lado. Mamãe ficou desesperada tentando estancar o sangue. Foi uma canseira e um sofrimento. Como não havia médicos nem hospitais, até hoje tenho a cicatriz daquele acidente. Aí tive que ficar afastada do trabalho por um longo período, sem direito aos Direitos da CLT.
Nossa casa ficou pronta com quatro cômodos: saleta onde ficava o rádio, uma mesinha e duas cadeiras; quarto, onde havia uma cama de casal, uma de solteiro (perpendicular) e um berço de palha pendurado por cordas, que eu balançava e cantava para meu irmão dormir. Havia também a despensa e a cozinha. De um lado da despensa, mamãe colocava os mantimentos e remédios, do outro lado havia duas bacias e um tonel com água. Era ali que tomávamos banho quente. Na cozinha havia um fogão de lenha padrão e uma mesa com 4 lugares. Papai fez umas prateleiras e mamãe guardava nossas roupas em baús de madeira. Um dos baús era o do seu enxoval de casamento, que existe até hoje.
Obrigada pela leitura. Aguardem o próximo relato.
Sandra Fayad Bsb
Bsb, 17/05/2020
https://www.sandrafayad.prosaeverso.net/