“O ser é e o não-ser não é” (Parmênides de Eléia)

Estudar a Filosofia foi uma das coisas que mais gostei na minha vida de estudante do Curso Clássico de Humanidades (Atheneu) e, depois, do Curso de Letras (UFS). Parece até gabolice, ostentação, pois que seja, meus professores foram Dom Luciano José Cabral Duarte, Padre Gilson Garcia e Padre João de Deus.

Cada aula de Dom Luciano era uma viagem esplendorosa pela Antiguidade e uma visita aos filósofos mais importantes. Até já escrevi uma crônica sobre as aulas do Dom, que também se ocupou em nos encaminhar pelas encíclicas papais.

Padre Gilson era o retrato fiel da calma e da temperança, da paciência e da tolerância. Para acalmar aqueles estudantes curiosos, ele usava o tesouro da Filosofia, falava tão suave que a gente até chegava a pensar que, além de padre ele fosse santo ou anjo. Padre João de Deus era um sujeito formidável, alegre, festivo, cheio de anedotas que faziam da sua preleção um show à parte. Ele contava sobre causos de sua cidade natal, acho que era Riachão do Dantas. Uma história era a de um cemitério onde havia uma inscrição em latim, no portal, mas que o pouco estudo dos habitantes da localidade não lhes permitia entender. Era assim:

REVERTERE AD LOCUM TUUM. Outra era a de uma praça central onde todos se reuniam e, ali, bem no meio do jardim, havia uma placa enfiada entre as roseiras na qual se podia ler: NÃO PISE NA GRAMA. SE NÃO SOUBER LER, PERGUNTE AO GUARDA. Agora me recordo de outro padre, mas não do nome. Era alto, bonito, já parecia um santo aqui na terra. Certa feita, esse padre caminhava pela Rua da Frente, em Aracaju, lendo um jornal, quando escorregou do canteiro e, infelizmente, vinha um ônibus que não teve tempo de brecar, atingiu o padre, que ali mesmo faleceu.

Mas, o que eu quero mesmo é tentar, sem ler qualquer análise que me ajude a entender a frase de Parmênides: “O ser é e o não-ser não é”. Já escrevi um pequeno texto sobre “Só sei que nada sei”, de Sócrates. Tem a frase do poeta Shakespeare, igualmente filosófica: “To be or not to be, that’s the question”. Frases como essas agora alinhadas, ditas entre adolescentes, se tornam motivo de confusão. Logo os jovens escracham com os pensamentos dos autores e dizem que aquilo nada significa. É de se entender que adolescentes reneguem inicialmente essas reflexões, mas também são eles que, passado o primeiro momento, caem de amores pelas afirmações que atravessam eras.

Não quero me perder de Parmênides nesse exercício pretensamente filosófico. “O ser é e o não-ser não é”. Que sério problema tem a linguística e todo o seu universo de recursos para extrair os sentidos e significados do discurso! Vem uma pergunta à minha mente: Por que teria Parmênides dito a frase? Onde ele estava, o que estava fazendo e o que teria visto ou ouvido para que tenha proferido a sentença? Ah, sobre esse detalhe não quero me deter. Quero é sentir o que sentiu o filósofo.

Usando um mecanismo humilde do trato com a palavra, separo a frase em partes significativas. Ser é ser, ser é o verbo da vida, do existir. Ser também é estar, quem diz é a gramática e quem não tem juízo teima com ela. O verbo, pois, tem dois nomes Ser e Estar. Ou seja, quem é, está e quem está, é. Parece que pioro as coisas... A primeira pessoa do indicativo presente é desse jeito: eu sou/estou. Conjuguem mentalmente o restante. O filósofo usou o nome do verbo, o infinitivo, ser. Muito próximo da frase do poeta inglês, não acham? Ser quer dizer que é uma infinitude, não se sabe como começa e nunca acaba, é um “deus”. E quem é divino não admite conversa mole, “o ser é” e entenda se quiser e se puder. O ser está e point finale, diriam os franceses. O ser está e nunca para de estar. O ser é e está soberano, inatacável O ser está e não tem como não estar. Aquilo que é, também está. Tudo é e tudo está e não temos como desfazer essa realidade de ser e de estar. Para os que remetem o pensamento aos recantos do espírito, logo virá o pensamento sobre Deus, o Supremo Senhor do que é e do que está, pois Ele sempre é e sempre está.

E que faremos agora com a segunda parte: “o não-ser não é”. Depois de matutar sobre o ser e o estar, penso ser mais brando pensar sobre o não-ser. O não-ser é o avesso da questão, isto é, “that’s the question”. Imagino que o filósofo tenha querido dizer que assim como o ser é e está, o não-ser nem é e nem está. Seria o vazio absoluto do existir. Mas não é fácil assim, Parmênides, pois, como gosto de teimas, digo que o não-ser é ele mesmo, é o vazio e o nada, e tudo isto existe e é, e está. O não-ser é uma célula linguística e tem significante e significado, é algo que a gente não vê, mas até pode sentir, especialmente se a gente pensar do ponto de vista da Psicologia. O desconhecido é o não-ser, ele não é e não está para que a gente veja, mas ele é e está nele mesmo.

O primeiro e básico ensinamento que que Dom Luciano proferia em suas aulas era o de que a Filosofia é a Ciência do pensamento e que o termo significa “amigo da Sabedoria”. Fiquem aí pensando e pensando... sendo e estando, não-sendo e não-estando.