O mal que você despreza
Eu cresci aprendendo a temer o mal em suas formas clássicas; o mal que apavora, assusta e congela o sangue nas veias; o mal que se revela em contornos faciais crispados de raiva e ódio; o mal que se desnuda em atitudes hediondas e que nos faz refletir sobre o quanto um ser humano pode infligir sofrimento a outro ser vivente; o mal escancarado como o das criaturas monstruosas que aprendemos a temer; o mal frio e calculista dos psicopatas que manipulam e até mesmo eliminam sem remorso suas pobres vítimas incrédulas. O mal feio, podre e asqueroso, devidamente uniformizado.
Eis então que hoje me deparo com uma forma diversa da maldade, ainda mais perversa. Um tipo de crueldade invisível, inodora, impalpável; que chega não se sabe de onde e não dá sinais de sua invasão, tornando-nos eficazes disseminadores de seus tentáculos mórbidos, atingindo justamente àqueles que mais estimamos. Este novo oponente não mostra a sua cara e é covarde em sua forma de agredir. Sua capacidade de ferir aumenta proporcionalmente à estupidez de governantes cegos e oportunistas, os quais contribuem para o seu mais rápido espalhamento.
Mas, em verdade, esta malignidade nada tem de nova; assombra a humanidade desde tempos imemoriáveis, sorrateira em sua forma de se ocultar em reservatórios naturais e intermitentemente sofrer modificações genéticas, o que lhe permite avançar de forma devastadora sobre a população indefesa, exatamente por desconhecer a natureza do inimigo e por subestimá-lo, já que não se apresenta como o mal clássico que aprendemos a respeitar.
E já que este mal é dissimulado não parece tão perigoso, arrastando para seu ventre as criaturas descrentes, com imprudência maior que a dita coragem, que acabam por se expor ao seu insidioso veneno. A agonia desses infelizes se arrasta por várias semanas, em ânsia por alcançar o ar presente mas não aproveitado pela combalida vítima, outrora tão engajada em não acreditar no que não se podia ver.
Ressalte-se que este tipo de mal carrega consigo uma mórbida inteligência, matando uma minoria, mas tornando muitos seus mensageiros inocentes, que perpetuam a contaminação crescente.
Logo, logo porém vai ser contido pela ciência e revelar então sua face mais vil: a capacidade de se retirar, se esconder e de se modificar para um novo ataque.
Eis que me deparo com este novo tipo de mal e o nomeio Covid-19. A vilania contudo já foi diversas vezes batizada: gripe espanhola, gripe aviária, peste negra, cólera, varíola, tuberculose, HIV, H1N1, Ebola, Tifo, etc. Enfim, muitas formas de nomear o que constantemente nos espreita e de tempos em tempos emerge em medo e caos.
Fique atento, pois o mal que não transparece e que por isso você despreza pode te atingir.