Cordão umbilical
Esses dois meses de isolamento fizeram vir à tona um antigo sentimento meu em relação ao meu filho: o medo de ter que deixá-lo sob os cuidados de outra pessoa. Tive esse medo pela primeira vez no primeiro ano de vida dele. Ao confirmar minha gravidez, tratei logo de solicitar uma licença de dois anos do trabalho, a qual, na verdade, teve dois intuitos: ter mais tempo para cuidar de meu rebento e ter mais tempo para estudar.
Dessa forma, quando ele nasceu, tive o privilégio que muitas mães trabalhadoras não tiveram: o de poder ficar com ele por um ano e sete meses e não apenas por quatro ou seis meses. Mas fiquei bastante aflita quando o fim da licença começou a aproximar-se cada vez mais. Conversava com minha irmã (uma das mães desprivilegiadas de tempo), a qual teve três filhos, passando três vezes por essa situação de ter que deixá-los com apenas quatro meses de vida. Em sua experiência, disse-me que eu é que precisava me desapegar e não ele. E ela tinha razão.
Aos oito meses de vida, contratamos uma babá para nos ajudar com nosso pequeno e começar a familiarizá-lo com ela preparando-o para minha ausência. Porém, apesar de tê-la por perto, sempre gostei de cuidar de meu filho: dar banho, alimentar, dar carinho, enfim, de estreitar mais ainda nossos laços. Ficamos muito apegados um ao outro. Tanto que ele deixou de mamar apenas aos três anos. Tive que usar de muita psicologia para isso.
O dia da separação chegou e tive que me despedir de meu bebê. A preocupação era muita, ainda mais por que trabalho em outro município e retorno para casa somente à noite, ansiosa para vê-lo.
Com o tempo nos acostumamos com essa rotina de separação. Foi quando veio a segunda despedida, a escola.
Aos três anos e meio, resolvemos matriculá-lo em uma escolinha particular para que pudesse conviver com outras crianças, já que é filho único. Senti-me novamente muito insegura, imaginava que ele choraria muito, ficaria com medo, faria um escândalo. Dizia a meu marido que, se ele chorasse, o traria de volta.
No primeiro dia de aula, fiz questão de levá-lo. Chegando na escolinha, o levei para a sala de aula, o sentei em uma cadeira e falei que ele ficaria lá e depois viria buscá-lo. Meio assustado, ele me olhou bem no fundo dos olhos (quase chorando e eu também!), balançou a cabeça afirmativamente, levantou da cadeirinha e me deu um abraço bem apertado. Não chorou, não reclamou, não esperneou, mostrou-se resignado. Mais do que isso, mostrou que tinha confiança em mim.
Fui embora preocupada com o que iria acontecer com ele em minha ausência. Cheguei em casa e vi que havia esquecido de levar o material escolar solicitado pela professora. Resolvi voltar com o pretexto de entregá-lo. Mas, na verdade, queria aproveitar para ver se meu menino estava bem.
Minha surpresa foi grande quando o vi brincando com os outros, nem ligou para minha presença lá (Bem que minha irmã me avisou!). Porém, isso me deixou mais tranquila, pelo menos foi descartada a possiblidade de um trauma futuro. E retornei contente para casa. No final da aula, ao ir apanhá-lo, conversei com a professora para saber como foi o primeiro dia dele lá. Ela me disse sorrindo que ele era muito “questionador”. Ao solicitar a ele que pintasse uma árvore, ele perguntou-lhe o porquê que tinha que fazer isso.
E, assim, ele estudou o ano inteiro, fez bons amiguinhos de brincadeiras, sobre os quais comentava em casa, e aprendeu muitas coisas também. Transformara-se em um rapazinho. Em sua avaliação, a professora escreveu que ele: “[...] na maioria das vezes, demonstrou interesse pelas atividades, seguiu instruções, foi cortês com os colegas, foi aceito de forma positiva pelos colegas, revela segurança e equilíbrio”. Que orgulho!
Este ano (2020), ele foi para a escola pública. Fiquei novamente ansiosa, pois haveriam mais crianças, a escola era maior. Mas ele tirou de letra novamente o primeiro dia. Seu único problema é acordar cedo. Com o estopim da pandemia, teve que interromper temporariamente seu ano letivo. E não gosta nem de ouvir falar em retorno das aulas.
Hoje, estreitamos novamente nossos laços. Ele acorda e fica feliz por ver a mim e ao pai em casa, o que não acontecia com frequência antes da quarentena. Gosta de chamar-nos para que deitemos com ele por mais cinco minutinhos. E nós também, claro!
É bom acompanhar as “viagens” dele com os super-heróis, as descobertas, as teorias, as explicações sobre os seus “episódios” favoritos, a paixão dele pelo Minecraft (fica tão vidrado que nem responde quando falamos com ele!), as reclamações, as gargalhadas ao assistir seus desenhos e a emoção ao ver alguma cena triste ou quando dizemos estar tristes. Ele é muito emotivo, sempre pergunta se é ruim chorar, pois fica envergonhado quando isso acontece. Respondo que é bom.
É bom comermos os três juntos e brincarmos juntos. Gosto quando ele me convida para brincar de adivinhação de super-heróis (Liga da Justiça, Vingadores, Guardiões da Galáxia, Super Hero-Girls, etc.), quando nos pergunta qual nosso super-herói favorito (o dele é o Homem-Aranha!). Ele me “ajuda” a limpar a casa. Faz exercício comigo.
Gostamos de deitar à noite e, antes de dormir, ficarmos conversando e brincando na cama (Ele adora ficar pulando nela e em cima do pai, fazendo-o de cavalinho, de lutar com ele, de brincar de esconder-se debaixo do lençol, de me “enganar”!). É lindo quando ele se despede dizendo: “Abenção, mamãe do coração!” E, eu respondo: “Deus te abençoe, filhinho do coração!” Eu amo tudo isso!
Agora, fico imaginando como será retomar a rotina de deixá-lo novamente para ir ao trabalho. Teremos que recomeçar tudo de novo. Imagino como será quando ouvir nos jornais que a quarentena acabou, que estamos livres do vírus. Será um misto de alegria e medo. Mas é melhor não ficar sofrendo antecipadamente. Por enquanto, devo preocupar-me somente com a saúde dele, minha e de meu marido. E aproveitar, enquanto podemos, essa delícia de vida caseira. Que bom que estamos em casa!
Sei que ainda passaremos por muitas idas e vindas, pois meu filho tem apenas cinco anos. Ser mãe é estar em um Bumgee-jump sempre. É adrenalina pura! O cordão umbilical estica-se a tal ponto que achamos que vai romper-se, mas não se rompe nunca.
Em: 14.05.2020