LEMBRANÇAS DE SÁBADOS

Cai a tarde deste sábado, modorrenta como têm sido as demais tardes destes sábados de “recolhimento” por conta da pandemia.
Céu azul, um ventinho ligeiramente frio, um terno convite a sair por aí, de câmera em punho, a captar as mais belas paisagens que o outono nos proporciona.
Mas...Fazer o quê ? Há que respeitar-se e respeitar aos demais, assim, estou “denticaza”.
Confesso que já lavei umas peças de minha indumentária, aspirei o cheirinho gostoso de amaciante enquanto as prendia ao varal, varri as folhas sobre a grama do jardim, temperei uma carninha(até porque ninguém é de ferro)e agora, cá estou diante do computador,nesta casa incensada ao pão caseiro que minha cara metade acaba de retirar do forno elétrico.
E este aroma tentador, além de incitar-me a um generoso café, daqui a pouco, arremessa-me impiedosamente aos sábados de minha meninice.
Uma cerca de ripas delimitava o território de duas casas de sótãos, com janelas que espiavam-se, revelando – uma a outra – confidências de seus aposentos.
De um lado, a nossa casa.
Do outro, a casa de tia Flora.
Em ambas, as fornalhas exalando cheiros de sábados.
Titia com seus bolos deliciosos, batidos cuidadosamente em colher de pau.
Em nossa fornalha , as cucas de dona Hilda, os pães de vó Maria.
[ Não faltava o famoso “pão de linguiça”,especialidade da mais velha ]
O que restava do braseiro, ardia sob os restos das vassouras de topixaba e aquele odor característico dos arbustos, varava os quintais delatando pela vizinhança a essência dos sábados
[ Até porque, sábados lembram bolos de fim de semana ]
Enovelava-se um bichano nas touceiras de capim limão e eu, o avistava do sótão de nossa casa , o sonolento – esparramado – entre cravinas e gerânios.
A visão daquele gato adulado, que chamava-se "Mites".
era, à mim, a estampa do paraíso, aquarelando-se no jardim de tia Flora.
Pairava no ar a expectativa de algo solene a acontecer no domingo que antevia-se.
Tudo não ia muito além da visita de um parente, da avó, de uns tios.... Gratas surpresas naquele mundinho de paz e leveza.
Retirados das fornalhas, os assados de sábado, não demorava e acontecia a partilha.
Lile, minha prima, cruzava o portão trazendo metade de um bolo, cheirando à laranja, encoberto com glacê e confeitado com pequenas tirinhas de goiabada – da "Cica" – Aquela !
Retornava com metade de uma cuca recheada com banana e um pão de lingüiça.
Os votos de “um bom café” eram recíprocos.
Agora estes cheiros guardados em memória olfativa, revividos ao odor dos pães ora saídos do forno, tocam em meus guardados saudosismos.
Isolados em nosso lar, e sem o antigo hábito da partilha, resta-nos a espera de um café encorpado, com o gosto dos cafés que perderam-se no tempo.
A nossa casa – sem sótão e sem a cerca de ripas - tem uma movimentada avenida, um frio asfalto a separar-nos dos vizinhos mais proximos.
Não mais braseiros e vassouras a incensar quintais, ainda que a sonora cantilena de pardais pelos beirais, tente ajustar-se aos cenários dos tempos.
Café com saudosismos, com massas sovadas à muque, um doce retorno ao passado, nestes sábado outonal, com árvores despidas e folhas mortas pelo chão.
O ontem e o agora, tão presentes e tão unidos sobre a mesa posta.
Lá fora a tarde é escandalosamente azul e pardais prosseguem dizendo de lembranças que eternizam-se.
Na rua de baixo...Apenas um cão vadio rega generosamente o poste da esquina.
Da janela, podemos espiar o deserto das ruas sem movimento, entre um reflexivo gole de café e outro.