observações

1 - Essa semana, quando fui comprar pão, um pouco antes da esquina, já pertinho da padaria, cruzei com uma dessa moças que é impossível não olhar pelos seus contornos tão bem traçados e pela juventude que ainda carrega com uma certa soberba.

Olhei e no momento mágico, que leva, ás vezes, micro segundos, que caímos numa espécie de calabouço contemplativo, onde habita o medo da rejeição, mas também a esperança de que aconteça pelo menos uma passada de mão no cabelo ou, quem sabe, aquela pequena, mas decidida, esnobada, que para alguns é uma vitória.

Mas nada disso veio, ela percebeu o olhar, mas numa cerimônia carregada de pudor e recato, como quem quisse salvar a própria

inocência e integridade, ajeitou melhor a máscara no rosto,

como se ajeitasse um vestido torto ou uma saia supensa. Então seguiu seu caminho, com o equilíbrio que a máscara lhe assegurava.

2 - Essa foi no trem. As máscaras ainda eram estrangeiras, poucos as usavam, então apareceu essa outra moça, dessa vez, sem filosofia, uma Deusa erigida de carne e melancolia. Com a parada do trem

na lapa, algumas pessoas desceram e sombraram alguns lugares, sentou-se, abriu sua bolsa, onde não teve dificuldade pra encontrar o batom, sacou um espelho que se abria, abaixou a máscara, como se desnudasse um segredo que alguns já desconfiavam, pôs pra fora seus carnudos e insondáveis lábios e começou a retocá-los, demorado,lento, quase exaustivo de se assistir. Quando terminou ela afastou o espelho, observou-se de outros ângulos, enquanto fazia uma coisa com a boca quase como se quisesse engolir ou saborear os próprios lábios. Terminou, com uma mão abriu novamente a bolsa,

colocou de volta o espelho já fechado, enfiou um batom em um tubinho que parece ser parte dele mesmo, ajeitou o corpo (estava mais viva) e escondeu com a máscara o trabalho de embelezamento que acara de fazer.

3 - Essa semana chegaram as máscaras, minha mulher comprou no instagram (sim, no instagram). Havia muita pressão pra usá-las, minha filha me cobrava cada vez que eu falava com ela - Pai, precisa usar, pai! - e minha mulher, mesmo negando a importância, me fazia pressão pelo medo que ela escancarava diariamente em suas conversas. Além, claro, da pressão das ruas, onde se você estiver sem máscara, de repente, você se torna alguém suspeito, diferente,

quem sabe, irresponsável ou delinquente. Muito comum algumas pessoas diminuírem os passos para não cruzarem com você, outra hora, mudam sutilmente a angulação do trajeto, de um jeito que, se cruzar com você, tenha a garantia de uma distância segura. Sem falar na brutal hesitação que passou a existir uma em relação às outras.

Bom, quando abri o pacote, tive uma grata surpresa, ela tem duas alças que laçam as orelhas, onde se sustenta, e um tamanho que, de uma vez só, fecha a boca e esconde o nariz. E fiquei pensando que, no meu caso, seria muito mais útil há uns 30 anos atrás, onde eu apertava as orelhas para que elas se encostassem, nem que fosse um pouquinho, na minha cabeça. Ou que, de outro modo, tentava me livrar do nariz achatado apertando a ponta com as palmas da mão até ficar vermelho. Se fosse na adolescência, a máscara resolveria com uma tacada só dois problemas que me estrangulavam, o do nariz, por razões óbvias e da orelha, pela sua função de engenharia, que na minha opinião, orelhas abanadas dá uma configuração melhor a estrutura.

Mas retornando, quanto às minhas orelhas, com a idade, se encostaram na cabeça (acho que foi algo gradual ao longo da vida). O nariz, esse nem se tocou, está como sempre foi, tipo Grabriela: "eu nasci assim, eu sou mesmo assim". Mas qualquer coisa, se eu voltar a me implicar com ele, é só colocar a máscara.