Roteiro Macabro
Às vezes a realidade, por mais temível que possa parecer, ainda é preferível do que a expectativa de se poder fazer algo sem chance de conseguir.
Fato é que me enraivece muito ver este país, talvez um dos mais lindos, mais ricos, mais completo e diversificado em tudo, desde alimentos, riquezas e belezas naturais, raças, religiões, artes, enfim, com muito mais do que a maioria dos outros possuem, em tamanho caos. A epidemia que abalou o mundo, aqui, virou figurante diante do show dos absurdos. Já passando por uma baita crise de desemprego e sem nenhum programa de governo, a pandemia se transformou em pandemônio. Nessas hora, melhor manter a cabeça fria e procurar encontrar as medidas cabíveis. Qual a melhor forma de agir? pensei eu, a gente vai se informando, óbvio. Tenho internet em casa, é a sorte pois se você só tiver acesso aos canais de TV aberta, a maior parte deles, pedirá pra você rezar e mais nada. Vamos buscando então aqui e ali, internet adentro, informações mais detalhadas, análises, notícias, para, por fim, constatar que o governo, esse, não nos ajuda em nada, só nos atrapalha.
Por mais que desejemos cuidar da nossa vida, somos obrigados a acompanhar a política. Concluí que o que está aí nos preocupando, e não é por menos, pois ultrapassam todas a lutas que já tivemos, ameaça de uma só vez tudo e o pouco que temos. Me insiro nesse “nós”, apesar de me sentir privilegiada em muitos aspectos, mas junto-me sem constrangimentos à parcela da população que não tem patrimônio, heranças, nem família com rendas ricas, assim como pensão ou salário vitalício, nem plano de saúde, nem qualquer benefício. Quanto menor a garantia de sobrevivência que não dependa de salário, menor é a chance de ajuda do governo. O que já é o contrassenso. E é nesse contexto que a ficha cai. Parece que fomos jogados dentro de um plano maligno. numa armadilha, onde presas desumanas já fizeram jorrar o sangue em lágrimas, para quem não tem hipótese de salvação.
Não foi o acaso, nem esse vírus mortal que desencadeou essa selvageria, apenas acelerou um processo da mente de gente sem empatia. Verdadeiros sanguinários vilões. Hoje me parece que tudo já fazia parte de um roteiro maquiavélico. Uma trama fechada e articulada com os poderosos imperadores de grandes veículos de mídia e das grandes riquezas desse país armados com os bancos. Nós, simples espectadores, e sem a menor chance de interagir nesse palco, fomos distraídos pelas façanhas grotescas de um bobo da corte, perfeitamente escolhido para o papel. Uma gigantesca e rocambolesca trama se desenvolveu por trás de uma proposital chanchada grotesca e agora, em pleno século XXI, onde pensávamos já ter visto muito sofrimento, assistimos um filme de terror em uma desumana caçada.
Eu, particularmente, poderia continuar sacrificando meu cérebro e o tempo precioso na vã tentativa de encontrar uma resposta sensata. Pois buscava nas notícias, nos canais de TV, nos posts das redes sociais, seguia comentários em vídeos no Youtube, ouvia o parecer de especialistas, pessoas bem mais informadas que eu, buscava respostas em análises sobre política, questões sociais, saúde, economia, procurava entender tantos escândalos, tantas notícias bizarras para no fim, acompanhar que os resultados, as justas reações, defesas, que deveriam ser óbvias, ficaram estáticas, não vinham. Chegou uma hora que não deu mais para entender. Até perceber que tudo poderia não passar de uma cilada, o tal roteiro, feito para confundir a massa.
Por isso, decidi, dar um tempo, ficar em silêncio, não dar ibope para palhaço. Parar de compartilhar os absurdos, as falas e agressões truculentas dos personagens malucos e fanáticos .
Os opositores, que nos defendiam quando os absurdos começaram, achincalhados e muitos até ameaçados, no início, se debatiam entre pernas e braços, ocupando de alguma maneira seus espaços, mesmo sem serem convidados, ali mesmo, dentro do palco, no meio da chanchada. Lutavam pelos mais frágeis, índios, florestas, cultura, liberdade de expressão e religião, os mais pobres, os desamparados e, pertencentes ou não à partidos, depois de um tempo também parece que se calaram. Talvez porque acessaram os papeis por trás das cortinas e perceberam a inutilidade de debater a luta contra um roteiro fechado.
Por isso, vou esperar o ponto em que se cansem de seguir este roteiro que com certeza será um fracasso. Pois não há dinheiro sem trabalho, não há trabalho sem trabalhadores, não há trabalhadores sem saúde, não há saúde sem dinheiro. Tudo depende de todos e ninguém sobrevive à morte.
Esperarei, e acredito que não vá demorar muito, novos atores no palco e um roteiro reescrito por pessoas como nós, normais, que saibam o que se passa na realidade fora do teatro.
Quando esse dia chegar, aplaudirei de pé, e clamarei muitos “Vivas!” e, assim terminará meu silêncio, com muita alegria.
A vida voltará, mas diferente. Não poderemos minimizar o sofrimento dos que penaram e perderam suas vidas, famílias, empregos. Mas por isso mesmo, não nos deixaremos mais enganar por atores e roteiristas desalmados. A nossa história, nosso roteiro, um dia subirá ao palco!