Razão ou desrazão, na pandemia

         
As cheias do Rio Paraíba, passando  por Itabaiana, saíam nos noticiários da Rádio Tabajara, menos as que, em Pilar, inundavam nossos quintais, ruas e casas ribeirinhas. Essas inundações inspiravam Dona Vicenza, nas aulas de catecismo, no oitão da Matriz, a nos contar como foi o “Dilúvio Universal”, com a Bíblia aberta no Velho Testamento. Descrevia-nos ela que a Arca de Noé era muito grande, maior do que a distância entre a Igreja e a Cadeia. Nela deveriam caber a família de Noé, animais ou “um casal de cada bicho” e aqueles que acreditavam que tudo aquilo obedecia ao “plano de Deus”. Choveria, dias e noites, sem parar, juntando mais águas do que as do mar. Tudo como se fosse o “fim do mundo que andava sujo, precisando ser lavado”...  Dona Vicenza dramatizava suas fantasias, muito gostávamos dessas aulas que se tornavam mais teatro do que catecismo. A criançada comentava que aquele “dilúvio” era a água tomando a Terra, superando o fogo e o vento.  
          Não sei o que pensam as crianças, de agora, ao verem seus pais mascarados, lavando as mãos a cada minuto; e a televisão, os celulares noticiando essa tragédia do coronavírus, que se alastra, no nosso país, muito mais do que as queimadas nas florestas, do que o vento nas tempestades do alto mar. Como imaginam elas esse “monstro” que mata ou apavora tanta gente grande; qual arma seria para combate-lo, das do arsenal de plástico, no balaio dos seus brinquedos? Haveria lugar, a se esconder desse bicho, melhor do que nossa própria casa? Ficar em casa é a consensual e universal resposta, até esse coronavírus desaparecer das ruas e da cidade, e largar os que já atacou...
          Tal qual como no Dilúvio de Noé, pensávamos: Deveriam acreditar em Noé e isolar-se na Arca para não se afogar nas águas... Quem assim não se comportou morreu, desesperado sem fôlego. Entre narrações bíblicas, contos, fatos e a atual realidade, as crianças optam pelo melhor, comparando-as com “certos adultos”. Elas raciocinam que, num dilema entre viver ou morrer, preferem continuar vivendo a qualquer mortal fatalidade. Insuportáveis são “amadurecidas mentalidades”, e até pretensos dirigentes públicos que, a favor do econômico ou do risparmio, comandam-nos à planície, à espera de águas diluvianas ou, sendo “contra o isolamento social”, oferecem-nos ao contágio do vírus mortal. Demonstram detestável falta de bom senso. Acontece de tudo, na calamidade, a pestilência é assim: edaz e funesta.
          “Ficar em casa” ou “o isolamento social” é atitude racional, altruísta e cidadã. Uma das lições dessa pandemia é a de que o mundo não é só meu, seu ou nosso, pois, ele engloba os outros e toda a natureza. Nesse isolamento, crescem profunda consciência individual e coletiva e a reflexão de que o leitor é uma boa companhia a si mesmo. Recentemente bravos governantes não supervalorizaram o trato das suas unhas, barbas e cabelos como “serviço essencial” e continuaram a enfrentar o poder econômico, dedicando-se ao melhor para todos: o isolamento social, fruto da razão, do contrário da desrazão, do contrassenso, e, visando os já socialmente injustiçados, da injustiça...    

          

 DESTAQUE DA CRÔNICA : O melhor para todos: o isolamento social, fruto da razão, do contrário da desrazão, do contrassenso, e, visando os já socialmente injustiçados, da injustiça...