Devo ter uma espécie de imã que atrai uns tipos bem característicos (em seu conceito descritivo informal, sem “pré-conceitos”): - Só pode. E pra ilustrar a afirmativa insegura conto-lhes meu dilema virtual. Uma tal de Trago tudo de volta me mandou um “direct” oferecendo um serviço de retirada imediata de qualquer entrave na minha vida. Boba não sou, li e fiz a egípcia. Mas no dia seguinte, a italiana de sangue, como se descreveu, elevou seus argumentos, como se já soubesse lidar com curiosos e escreveu sua mensagem afirmando que a minha trava era a escrita ou meu entrave. Li respirando fundo: - Quem és tu, italiana de sangue, pra dizer que a escrita é um entrave, ou uma trave, sei lá. Nessa hora elevei minha autoestima em nível exagero sem limites. Volta aqui que vou te dar uma lição em línguas, aventureira. Ousadia a sua, hein ciganices? Nem me conhece. E tomada pela impulsividade respondi sem pestanejar (com educação, é claro): - Oi. Como assim a escrita é um entrave? Não compreendi sua mensagem, pode esclarecer, por gentileza? - Bom dia, srta Mônica Melo, que bom tê-la conosco nesse caminho de autoconhecimento e de desabrochar do eu interior. Será um prazer atendê-la. Poderia me passar alguns dados? Nome, tel, endereço, e-mail, CPF, RG. Responda o questionário que será encaminhado via e-mail, aguarde 24 horas pós preenchimento, cadastre-se no Zoom e a convidaremos para uma reunião onde trataremos de seus entraves. O valor promocional é de 320 reais numa sessão individual, podendo ser acrescentada, no mínimo, duas novas pacientes, reduzindo o valor a um terço. - Mas moça, eu só queria ter uma ideia do trabalho de vocês. O que a levou a dizer que o meu entrave é a escrita? - Infelizmente não posso dar nenhuma informação fora da sessão. Sinto muito! - Sinto muito é uma ova (pensei). Parei de digitar. Olhei no espelho e vi uma Mônica tipo senhorinha inocente que ajuda o filho num sequestro relâmpago sabendo que ele ele dorme no quarto ao lado, só por desespero. Voltei pro computador e antes de bloquear a cigana virtual escrevi: - Vocês não podem enganar as pessoas desse modo. Que jeito patife de vender algo inexistente, e haverá os que cairão nessa lorota. Tem gente que acredita em Papai Noel, sabia? A moça começou a digitar e eu lá na expectativa. E como se nada tivesse acontecido, emenda: - Temos uma opção pra você! Que tal um curso de Marketing Digital! Como influenciar pessoas via internet! Será um grande investimento! - Que investimento o que cigana! Em tempos de pandemia quem vai se aventurar nisso? - Temos também opção para vencer o stress, autoajuda? - Para, você está de brincadeira? Que “bacanal” é esse, minha filha? - Estamos procurando atender aos clientes em sua totalidade. Nossa empresa se aperfeiçoa na arte de ser plural! - Plural? Moça, desculpe, mas eu só queria saber da escrita. Não tenho interesse em mais nada. Obrigada! - Que tal um curso de redação para virar um escritor amador?
Bloqueei a cigana depois da última oferta e estou pensando a que ponto cheguei nesse isolamento social: discutindo com a cigana virtual... Final. Se for rir, que seja com respeito, por favor. Afinal já foi o tempo em que cigana lia mão, agora vende sonhos ou pesadelos, vai depender do cliente. A modernidade chegou. 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 13/05/2020
Reeditado em 13/05/2020
Código do texto: T6945939
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