Eu ainda estou ouvindo
Quando você está se afastando de um grupo do qual participava, e alguém diz algo, um tanto desairoso, relativo a você, a reação é quase que universal:
-Eu ainda estou ouvindo.
Coisas que nos sãos pertinentes, e ditas em nossa ausência, ou na iminência da ausência, não é elegante, não revela apreço.
-Para quem não contribuiu em nada, para a realização da festa, Fulano até que reclamou bastante.
Um comentário, com esse teor, é quase que ofensivo, se feito para ser ouvido à distância, soa como uma crítica maldosa, que não seria ofensiva se dita cara a cara.
Se a ilustração tem como motivo mesquinharia, imaginem se o comentário envolve questões mais relevantes, coisas que podem machucar profundamente, e causar constrangimentos, ou até mesmo danos ilimitados a alguém?
Com a pandemia, que se alastra de forma fulminante, é aventada a hipótese de se deixar morrerem os mais frágeis, os mais doentes e os mais velhos, a seleção é cruel; é tirado de cada um o direito de ter sua morte estabelecida pelo destino, pois todos morrem na sua hora certa.
Tenho 72 anos de idade, sou cardíaco, e, é evidente, estarei incluído no bloco: deixa que morram. Talvez eu esteja sendo egoísta, mas uma seleção natural não ceifa vidas obedecendo apenas ao critério da idade, milhares de crianças e jovens morrem, sem que saibamos as verdadeiras razões do Senhor, para arrancar aquela pessoa do nosso convívio.
Não estou sendo egoísta, estou apenas querendo fazer valer meu direito à vida, uma prerrogativa personalíssima, que não cabe a humanos decidirem, e para essa proposta eu afirmo:
-Eu ainda estou ouvindo.